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07/06/2017 - Negro e jovem sem estudo são maiores vítimas de violência, mostra pesquisa

06/06/2017
 
Uma realidade histórica do Brasil se tornou ainda mais dramática nos últimos anos: cada vez mais jovens e negros morrem no Brasil. É o que mostra o relatório Atlas da Violência 2017, divulgado na manhã desta segunda-feira (5).

Elaborado pelo Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), órgão ligado ao governo federal, em parceria com o Fórum Brasileiro de Segurança Pública, ONG especializada no assunto, o estudo analisou dados do SIM (Sistema de Informação sobre Mortalidade), do Ministério da Saúde, que traz informações sobre incidentes até o ano de 2015.

Em 2015, houve, no Brasil, 59.080 homicídios, o que equivale a uma taxa de 28,9 por 100 mil habitantes.

“Isso é equivalente a um avião caindo todos os dias no Brasil”, diz Samira Bueno, diretora executiva do FBSP.

Trata-se de um número exorbitante, que faz com que em apenas três semanas o total de assassinatos no país supere a quantidade de pessoas que foram mortas em todos os ataques terroristas no mundo, nos cinco primeiros meses de 2017, e que envolveram 498 casos, resultando em 3.314 indivíduos mortos”, compara o relatório.

O perfil típico das vítimas fatais: homens, jovens, negros e com baixa escolaridade. De 2005 a 2015, a violência contra jovens e negros aumentou ainda mais.

Há, no Brasil, uma licença para matar, desde que isso aconteça fora das áreas nobres das cidades”, diz Daniel Cerqueira, pesquisador do Ipea e um dos autores do estudo.

Segundo o relatório, homicídios contra jovens vinham crescendo menos nas últimas décadas – 89,9% nos anos 1980, 20,3% nos 1990 e 2,5% nos 2000. Entre 2005 e 2015, no entanto, houve um aumento de 17,2% na taxa de homicídio de indivíduos entre 15 e 29 anos. Foram 318 mil.

Em 2015, a taxa de mortes entre 15 e 29 anos para cada grupo de 100 mil jovens foi de 60,9. Se apenas homens jovens forem levados em conta, este indicador aumenta para 113,6 – a taxa geral por 100 mil habitantes foi de 28,9.

Isso tem a ver com a falta de investimentos em outras áreas. Quanto mais anos de escolaridade, menor é a chance de homicídio. O Rio de Janeiro é exemplo disso com a política de UPP (Unidade de Polícia Pacificadora). A polícia subiu os morros sozinha, então não deu certo”, diz Bueno.

Para ela, não há uma resposta clara para por que essas taxas pioraram após algumas décadas de melhora.

É curioso notar que o crescimento econômico e a redução da desigualdade que o Brasil viveu nas últimas décadas não se traduziu em melhora. O crescimento econômico é positivo, mas, sozinho, não dá conta”, diz Bueno.


Negros

A violência também avançou contra negros entre 2005 e 2015. Enquanto houve um crescimento de 18,2% na taxa de homicídio de negros, a mortalidade de indivíduos não negros diminuiu 12,2%.

Os autores do estudo estimam que o cidadão negro possui chances 23,5% maiores de sofrer assassinato em relação a cidadãos de outras raças/cores, já descontado o efeito da idade, sexo, escolaridade, estado civil e bairro de residência.

“Isso mostra que a cor da pele tem um peso nessas mortes. Os pesquisadores ainda estão tentando entender isso melhor”, diz Bueno.

Talvez tenha a ver com um legado de racismo. Alagoas, por exemplo, é um dos Estados com a maior disparidade entre a morte de negros e brancos, e talvez não por acaso seja a terra de Zumbi dos Palmares”, diz Cerqueira.

O aumento da violência contra a população negra também foi observado nos dados de mortes de mulheres. Em 2015, 4.621 mulheres foram assassinadas no Brasil, o que corresponde a uma taxa de 4,5 mortes para cada 100 mil mulheres. Enquanto a taxa de homicídios de mulheres não negras diminuiu 7,4%, entre 2005 e 2015, o indicador equivalente para as mulheres negras aumentou 22,0%.

A arma de fogo foi a principal causadora de mortes em 2015. Respondeu por 71,9% dos homicídios. De acordo com o relatório, depois de uma redução nas mortes por armas de fogo que se seguiu após o Estatuto do Desarmamento até 2007, observou-se um incremento nas mortes por esse tipo de instrumento nos últimos anos, sobretudo, no norte e nordeste do país, os lugares onde mais cresceram as taxas de homicídio.

No que diz respeito à distribuição geográfica dos homicídios, o nordeste segue despontando como líder nesse crime. Com exceção do Tocantins e Amazonas, todos os estados com crescimento superior a 100% nas taxas de homicídios, entre 2005 e 2015, pertenciam a essa região do país.

O Estado de São Paulo teve a maior variação negativa na taxa, de -44,3%. No entanto, diz o estudo, pode haver um problema nos dados, pois há uma proporção grande de mortes violentas por causa indeterminada.

Ainda assim, apesar da má qualidade dos dados, São Paulo é o Estado mais pacífico”, diz Cerqueira.

Entre 2010 e 2015, os maiores crescimentos aconteceram nos estados de Sergipe (+77,7%), Rio Grande do Norte (+75,5%), Piauí (+54,0%) e Maranhão (+52,8%) e as maiores quedas, no Espírito Santo (-27,6%), no Paraná (-23,4%) e em Alagoas (-21,8%).

O grosso da violência, sugere o relatório, aconteceu em alguns poucos municípios. Em 2015, 111 municípios (2% do total) responderam por metade dos homicídios no Brasil, e 10% dos municípios (557) concentraram 76,5% do total de mortes no país.

O município considerado o mais pacífico foi Jaraguá do Sul (SC) e o mais violento, Altamira (PA). Além do município catarinense ter índices de desenvolvimento humano muito superiores aos de Altamira, os autores apontam outros fatores que também contribuem para o aumento da violência em cidades, por exemplo, um crescimento rápido e desordenado, como aconteceu em Altamira, no rastro da construção da Usina de Belo Monte.

Para os pesquisadores, tem havido uma interiorização da violência – ela não está mais concentrada em grandes metrópoles.

Outros fatores apontados são: um mau mercado de trabalho – um estudo do Ipea feito em 2015 mostra que a cada 1% de redução na taxa de desemprego de homens, a taxa de homicídio diminui 2,1%; a geração de renda nas cidades, que traz benefícios, mas também torna viáveis economicamente os mercados locais de drogas ilícitas; o desenvolvimento econômico e a consequente vinda de imigrantes às cidades, que podem provocar um esgarçamento do controle social do crime.

A crise dos últimos três anos certamente teve impacto porque afeta o mercado de trabalho e tira recursos do governo para atuar”, diz Cerqueira.

Se somam a esse cenário características das próprias políticas de segurança. Em primeiro lugar, elas são reativas; em segundo, temos dificuldade de institucionalizá-las – ir além de um líder forte que esteja engajado, caso do Eduardo Campos, em Pernambuco [ex-governador do Estado, morto em 2014]”, diz Bueno.

Essas situações se dão, diz o relatório, “quando as transformações urbanas e sociais acontecem rapidamente e sem as devidas políticas públicas preventivas e de controle, não apenas no campo da segurança pública, mas também do ordenamento urbano e prevenção social, que envolve educação, assistência social, cultura e saúde, constituindo assim o quarto canal pelo qual o desempenho econômico pode afetar a taxa de criminalidade nas cidades. Ou seja, a qualidade da política pública é um dos 21 elementos cruciais que podem conduzir à diminuição das dinâmicas criminais”.

O relatório também traz alguns bons exemplos, os casos do Espírito Santo e de Pernambuco. Entre 2007 e 2013, a taxa de homicídio pernambucana caiu 36%, no rastro da implantação do “Pacto pela Vida”. Entre 2010 e 2015 a taxa de homicídio no Espírito Santo diminuiu 27,6%, no âmbito do programa “Estado Presente”, lançado em 2011.

No entanto, aponta a fragilidade dos avanços nos dois Estados ao lembrar a greve de policiais militares capixabas e o recrudescimento da violência letal em Pernambuco a partir de 2013.

O Atlas da Violência 2017 também faz uma crítica à constante subnotificação no SIM de casos envolvendo letalidade policial – um problema, segundo o estudo, nacional. Em 2015, o SIM registrou 942 casos de intervenções legais, enquanto a segurança pública registrou 3.320 mortes decorrentes de intervenções policiais, ou seja, 3,5 vezes o número de registros da saúde.

Segundo o estudo, o número de mortes decorrentes de intervenção policial já ultrapassou o de latrocínio (roubo seguido de morte), o que demonstra que práticas letais de agentes estatais configuram um padrão institucional de uso da força pelas polícias.

A letalidade policial e a vitimização policial que a ela se associa são produtos de um modelo de enfrentamento à violência e criminalidade que permanece insulado em sua concepção belicista, que pouco dialoga com a sociedade ou com outros setores da administração pública”, dizem os autores do estudo.

Para eles, os episódios de insegurança que marcaram este ano de 2017, como rebeliões em presídios e greve de policiais, vieram na esteira do agravamento da situação de segurança em anos anteriores, sobre os quais o relatório se debruça.


Fonte:
ANDI Comunicação e Direitos
Veículo:
Folha de S. Paulo
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