Notícias
Construção Inversa: A expulsão dos usuários de Crack e a História de São Paulo
Vimos essa semana uma ação conjunta entre o Governo do Estado e a Prefeitura Municipal, na gestão dos senhores Alckmin e Kassab (A “Operação Sufoco”). O ato de colocar a força Policial na região da Luz, ou cracolândia, para expulsar de lá os viciados em Crack, me trás à memória o artigo que escrevi como TCC e defendi na graduação de História. Hoje o que se convém chamar de “Cracolândia” há até certo tempo atrás era conhecido como “Boca do Lixo” ou “Quadrilátero do Pecado” um dos maiores pontos de prostituição e crimes dos anos 50 até os 70 na Capital.
Segue um pormenor do trabalho.
Nos anos de 1950, a maioria da prostituição em São Paulo se encontrava no bairro do Bom Retiro, próximo da Luz. O bairro nos anos 50 mostrava-se em transformação, algumas fábricas, como a da Ford, faziam parte da sua paisagem. Os moradores são pessoas mais abastadas, uma classe média alta fazia parte dessa paisagem de habitantes. O comércio molda-se em torno dos moradores. Esses, em sua maioria, carregam conceitos cristãos e ocidentais, além de serem dotados de uma moralidade incontestável, eram então eles os “diferenciados” de sua época. Habitavam o bairro junto a tal casta de moradores, aquelas que herdaram o resultado do esquecimento do estado e da sociedade, as “temíveis” prostitutas. Mal vestidas, com as partes expostas a quem quisesse ver, dizendo os palavreados mais baixos, eram elas as desgraçadas portadoras de doenças, de tudo que não é sagrado para a mulher. Eram tidas como um mal necessário e levavam ao chão e maculavam aquele imaginário dos moradores do ilustre bairro. Incomodados os residentes reivindicam melhorias. Em melhorias leia-se expulsão daquelas moças. Ora, trata-se do conflito entre sagrado e o profano, aquilo que uma elite conservadora pensa, pensamento este moldado por médicos, policiais e jornais. É uma contradição onde o mais forte prevalece.
Exatamente no ano de 1953, o então governador de São Paulo, Lucas Nogueira Garcez[1] sanciona um Decreto proibindo a prostituição no Bom Retiro. A força policial vai a mando de o Governo expulsar as prostitutas do bairro. “Isso é visível no livro de memórias “A Boca do Lixo” [2]: “... Ao se verem agarradas pelos milicianos, travavam em luta de se despojar das poucas vestes que traziam, assim, nuas, aos gritos, as cabeças sangrando pelos golpes recebidos... ”[3]. Até parece com um fato recente.
Os fatos somam-se. Uma classe média moralista, cristã e preconceituosa exigindo a limpeza social, um governo conservador e antipopular, uma opinião pública previamente formada por uma mídia tão moralista quanto à população adicionada a uma policia, como sempre, nada autônoma, sendo o braço repressivo do Estado Antidemocrático e ao decreto imposto à força. Trazem como resultado o caos, como de costume para as classes menos abastadas.
Como decorrência as mulheres rumam para as ruas mais próximas. São as ruas que hoje conhecemos como “Cracolândia”. Com o tempo e o desenvolvimento da prostituição, o bairro ocupado pelas mulheres, torna-se aquilo tudo que a população menos gostava. Um lugar de desajustados sociais, a Boca do Lixo de São Paulo. Ali brota a criminalidade que passa acrescer ano a ano, o tráfico e venda de drogas, começando pela maconha e passando posteriormente para drogas cada vez mais fortes, os mais odiados e degradados são os moradores daquele lugar. Com o cursar dos anos a Boca como lugar por excelência da prostituição perde seu status, mas esta não acaba e a violência se mantém, até hoje.
Sim, esse texto visa mostrar que a cracolândia, como a conhecemos hoje, é nada mais, do que o resultado de um processo de tensão entre uma elite, junto de sua moral e as pessoas pobres, trabalhadoras e excluídas, munidas apenas de si para sobreviverem. Tensão que foi remediada pelo governo e não solucionada, soluções paliativas geram problemas nada paliativos. A Cracolândia é o resultado direto desta ação do Estado na figura de Lucas Nogueira, seu decreto ajudou, somando-se é claro a dezenas de outros fatores (pois o processo histórico não se dá apenas com um acontecimento, mas sim da decorrência conjunta, ou não, de vários deles).
O que o atual governo vem fazendo é a mesma coisa que o governo de 1953 fez. O projeto nova luz, visa abertamente, favorecer uma série de empresários que demonstram interesse em se instalar nos prédios daquela região. Há nesse momento não só um interesse moralista de limpeza social, mas também um interesse por parte do capital imobiliário em que aquela população seja expulsa, assim como foram as prostitutas. Quem reivindica ainda é a elite, quem os atende ainda é o Governo, quem informa com uma visão preconceituosa e estereotipada ainda é a imprensa e, por fim, quem expulsa continua sendo a policia. É a repetição da história da forma mais copiosa possível. Da mesma forma que as prostitutas expulsas, os viciados em Crack estão sendo expulsos, e como as mulheres de 53 eles vão certamente se realocar em algum outro lugar, e quem sabe gerar outra cracolândia. Dizer que aquelas pessoas vão procurar por si só tratamento é um discurso do mais falacioso.
A produção desse artigo tenta mostrar um pouco o que aconteceu no passado de São Paulo. A produção histórica tem como fim, também, dar-nos a possibilidade de conhecer o passado, entender o presente e assim transformar o futuro. Saber o que aconteceu nos faz entender a cidade de hoje e nos dá ferramentas para construção de uma cidade mais justa e democrática, com menos violência e drogas. Nesse caso a construção é inversa e a história transfigurada em um fluxo contínuo sem cabimento. Nossos governantes mostram nada ter aprendido com o nosso passado[4]. Infelizmente.
Fonte: Centipeda
Voltar
Segue um pormenor do trabalho.
Nos anos de 1950, a maioria da prostituição em São Paulo se encontrava no bairro do Bom Retiro, próximo da Luz. O bairro nos anos 50 mostrava-se em transformação, algumas fábricas, como a da Ford, faziam parte da sua paisagem. Os moradores são pessoas mais abastadas, uma classe média alta fazia parte dessa paisagem de habitantes. O comércio molda-se em torno dos moradores. Esses, em sua maioria, carregam conceitos cristãos e ocidentais, além de serem dotados de uma moralidade incontestável, eram então eles os “diferenciados” de sua época. Habitavam o bairro junto a tal casta de moradores, aquelas que herdaram o resultado do esquecimento do estado e da sociedade, as “temíveis” prostitutas. Mal vestidas, com as partes expostas a quem quisesse ver, dizendo os palavreados mais baixos, eram elas as desgraçadas portadoras de doenças, de tudo que não é sagrado para a mulher. Eram tidas como um mal necessário e levavam ao chão e maculavam aquele imaginário dos moradores do ilustre bairro. Incomodados os residentes reivindicam melhorias. Em melhorias leia-se expulsão daquelas moças. Ora, trata-se do conflito entre sagrado e o profano, aquilo que uma elite conservadora pensa, pensamento este moldado por médicos, policiais e jornais. É uma contradição onde o mais forte prevalece.
Exatamente no ano de 1953, o então governador de São Paulo, Lucas Nogueira Garcez[1] sanciona um Decreto proibindo a prostituição no Bom Retiro. A força policial vai a mando de o Governo expulsar as prostitutas do bairro. “Isso é visível no livro de memórias “A Boca do Lixo” [2]: “... Ao se verem agarradas pelos milicianos, travavam em luta de se despojar das poucas vestes que traziam, assim, nuas, aos gritos, as cabeças sangrando pelos golpes recebidos... ”[3]. Até parece com um fato recente.
Os fatos somam-se. Uma classe média moralista, cristã e preconceituosa exigindo a limpeza social, um governo conservador e antipopular, uma opinião pública previamente formada por uma mídia tão moralista quanto à população adicionada a uma policia, como sempre, nada autônoma, sendo o braço repressivo do Estado Antidemocrático e ao decreto imposto à força. Trazem como resultado o caos, como de costume para as classes menos abastadas.
Como decorrência as mulheres rumam para as ruas mais próximas. São as ruas que hoje conhecemos como “Cracolândia”. Com o tempo e o desenvolvimento da prostituição, o bairro ocupado pelas mulheres, torna-se aquilo tudo que a população menos gostava. Um lugar de desajustados sociais, a Boca do Lixo de São Paulo. Ali brota a criminalidade que passa acrescer ano a ano, o tráfico e venda de drogas, começando pela maconha e passando posteriormente para drogas cada vez mais fortes, os mais odiados e degradados são os moradores daquele lugar. Com o cursar dos anos a Boca como lugar por excelência da prostituição perde seu status, mas esta não acaba e a violência se mantém, até hoje.
Sim, esse texto visa mostrar que a cracolândia, como a conhecemos hoje, é nada mais, do que o resultado de um processo de tensão entre uma elite, junto de sua moral e as pessoas pobres, trabalhadoras e excluídas, munidas apenas de si para sobreviverem. Tensão que foi remediada pelo governo e não solucionada, soluções paliativas geram problemas nada paliativos. A Cracolândia é o resultado direto desta ação do Estado na figura de Lucas Nogueira, seu decreto ajudou, somando-se é claro a dezenas de outros fatores (pois o processo histórico não se dá apenas com um acontecimento, mas sim da decorrência conjunta, ou não, de vários deles).
O que o atual governo vem fazendo é a mesma coisa que o governo de 1953 fez. O projeto nova luz, visa abertamente, favorecer uma série de empresários que demonstram interesse em se instalar nos prédios daquela região. Há nesse momento não só um interesse moralista de limpeza social, mas também um interesse por parte do capital imobiliário em que aquela população seja expulsa, assim como foram as prostitutas. Quem reivindica ainda é a elite, quem os atende ainda é o Governo, quem informa com uma visão preconceituosa e estereotipada ainda é a imprensa e, por fim, quem expulsa continua sendo a policia. É a repetição da história da forma mais copiosa possível. Da mesma forma que as prostitutas expulsas, os viciados em Crack estão sendo expulsos, e como as mulheres de 53 eles vão certamente se realocar em algum outro lugar, e quem sabe gerar outra cracolândia. Dizer que aquelas pessoas vão procurar por si só tratamento é um discurso do mais falacioso.
A produção desse artigo tenta mostrar um pouco o que aconteceu no passado de São Paulo. A produção histórica tem como fim, também, dar-nos a possibilidade de conhecer o passado, entender o presente e assim transformar o futuro. Saber o que aconteceu nos faz entender a cidade de hoje e nos dá ferramentas para construção de uma cidade mais justa e democrática, com menos violência e drogas. Nesse caso a construção é inversa e a história transfigurada em um fluxo contínuo sem cabimento. Nossos governantes mostram nada ter aprendido com o nosso passado[4]. Infelizmente.
Fonte: Centipeda