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30/01/2018 - 47 mil crianças e adolescentes vivem em abrigos no Brasil
29/01/2018
Muitas dessas crianças são vítimas de maus tratos e da falta de estrutura familiar
Em todo o Brasil, 47 mil crianças e adolescentes vivem em abrigos, segundo o Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Deste total, 13.418 estão no estado de São Paulo; 4.968, em Minas; e 4.866, no Rio Grande do Sul.
Outro dado que chama a atenção é que somente 8.420 crianças e adolescentes estão no Cadastro Nacional de Adoção (CNA). Ou seja, apenas 17,8% do total estão legalmente aptos a encontrar uma nova família.
A chegada ao abrigo
A psicóloga Bruna Tiengo, coordenadora de projetos das Casas Taiguara, diz que muitas crianças e adolescentes chegam aos abrigos a partir de denúncias de maus tratos, retirada de situação de rua, ou até mesmo por determinação de acolhimento feita na própria maternidade.
Este último caso ocorre quando a Vara da Infância e Juventude, ou o Ministério Público, reconhece a falta de estrutura da família e encaminha o bebê para o abrigo. “Às vezes a organização que encaminhou tem um relatório com mais detalhes, mas as vezes o acolhido não possui nem o nome, certidão de nascimento, ou nenhum outro documento”, relata.
Um fator importante é o vínculo afetivo em relação à família.
Boa parte das crianças e dos adolescentes acolhidos possui famílias.
Bruna explica que a instituição busca entender o histórico da criança para tentar reconstruir esse vínculo, mas que às vezes a visita de familiares é proibida por determinação de um órgão maior. “A família faz parte do processo. A gente vai estreitando essa relação”, explica Bruna.
Também é frequente ver crianças que, apesar da pouca idade, já enfrentaram diversos problemas na vida. Joroedson Marçal, coordenador da Casa Taiguara da Bela Vista, em São Paulo, lembra o caso de um garoto que tinha 12 anos quando chegou à instituição. “Ele já tinha vivido muito mais que eu. Com 7 anos ele já estava na rua. O pai tinha sido preso e a mãe era alcoólatra”.
Ele diz que o menino se comportava como se fosse mais velho e que foi necessário fazer uma desconstrução para um resgate da infância. “Eu dei um carrinho de presente para ele. Num primeiro momento ele não gostou, mas logo em seguida ficou feliz da vida brincando com o presente”.
Escola
As crianças em situação de acolhida frequentam escolas públicas comuns e, muitas vezes, as escolas não oferecem o suporte necessário para que essas crianças se sintam incluídas.
Bruna Tiengo explica que alguns dos acolhidos não aprenderam a ler antes de chegar à instituição e que outros possuem problemas de audição ou dificuldade para enxergar.
Esses problemas, considerados simples pela psicóloga, normalmente são tratados pelas escolas como mais graves do que realmente são.
“Eles (funcionários das escolas) não conseguem entender que a criança vai se sentir excluída e tentar chamar a atenção de outra forma”.
Bruna explica que há casos em que a escola, tratando a criança como problemática, a encaminha para serviços de tratamento. “Aí a criança é medicada sem necessidade, para ver se o comportamento muda, quando na verdade ela só precisava de um oftalmologista”, explica. Para ela, o principal é perceber e escutar, “principalmente o não dito”.
Casas Taiguara
Há 25 anos acolhendo jovens em situação de rua, as Casas Taiguara fazem um trabalho que, de acordo com o coordenador da Casa Taiguara da Bela Vista, em São Paulo, é diferente.
Joroedson Marçal trabalha na área de abrigos há 20 anos e diz que a instituição faz mais do que um trabalho assistencial, já que busca conhecer cada jovem individualmente para ajudá-lo a traçar um plano de vida.
Além do Plano Individual de Atendimento (PIA), que busca apresentar a instituição ao acolhido e conhecer a sua história, essa atenção individual, proporcionada por educadores da organização, contribui para que o mesmo descubra o seu potencial.
Essa descoberta do potencial é considerada um processo importante, já que muitos têm históricos de abusos, morte dos pais, entre outras situações difíceis, e ao entrarem na instituição não conseguem ver o futuro de forma positiva.
Além disso, Joroedson lembra que os jovens só ficam nos abrigos até completarem 18 anos. Por isso é tão importante contribuir para que todos reconheçam seu próprio potencial e desenvolvam certa autonomia.
“O marco dos 18 anos significa que você já está pronto para tocar sua vida?”, reflete a psicóloga Bruna Tiengo, coordenadora de projetos das Casas Taiguara.
Bruna também destaca que se a instituição não ensinar esses jovens a se virarem sozinhos, eles vão acabar voltando para as ruas.
A vida depois do abrigo
Apesar de as Casas Taiguara focarem no desenvolvimento da autonomia dos atendidos, nem sempre a vida deles após deixarem os abrigos corre da maneira planejada.
A dificuldade para conseguir emprego, por exemplo, principalmente em tempos de crise, é grande, e o custo de vida alto de cidades como São Paulo torna a situação ainda mais complicada.
De acordo com um estudo realizado em 2017 pela Economist Inteligence Unit (EIU), instituição de pesquisa ligada à revista britânica The Economist, São Paulo é uma das cidades que mais subiram no ranking de custo de vida, avançando 27 posições e assumindo o 76º lugar entre 132 cidades no mundo.
Diante deste cenário, os egressos dos abrigos buscam diferentes alternativas para sobreviver. Joroedson conta que hoje 15 ex-atendidos das Casas Taiguara vivem em uma ocupação na zona norte da capital paulista. “Há quatro anos, eles começaram a moradia com 3 pessoas”, lembra.
Após conseguirem um teto, esses jovens lutam para se alimentar. “Uma vez eles dividiram um prato de comida por 10”.
Adoção
Muitos reclamam da fila de espera para adotar um filho.
Mas quem já passou pelo processo não apenas diz que vale a pena a espera como também acredita que o tempo pode ser usado para se preparar para a chegada de um novo membro à família.
Wagner Yamuto e a esposa, Grazyella, descobriram em 2004 que não poderiam gerar um filho e decidiram adotar uma criança.
A espera durou três anos. Em 2007, o casal adotou um menino de 11 meses. “Ter um filho é o melhor sentimento que existe”, conta Wagner.
Nos três anos entre o surgimento da ideia de adotar e a concretização do sonho, Wagner e Grazyella buscaram o máximo de informação possível sobre adoção, mas perceberam que não havia muita coisa disponível.
A partir daí, surgiu a ideia de criar o Adoção Brasil, um blog que contém informações sobre o processo de adoção e depoimentos de pessoas que estão na fila ou já adotaram uma criança. “Percebi que nos sites do governo só havia questões técnicas sobre a adoção. Senti a necessidade de colocar depoimentos mais humanizados”, explica Wagner.
O outro lado da adoção
A adoção pode ser um novo começo para muitos jovens que estão nesses abrigos, mas a psicóloga Bruna Tiengo conta que existem casos que trazem certa angústia.
Muitas dessas crianças e adolescentes possuem famílias e podem ter chegado ao abrigo por diversos motivos.
Para Bruna, é fundamental privilegiar o retorno do acolhido para sua própria família.
A psicóloga também destaca que um dos pontos delicados da adoção é a eventual separação de irmãos.
Pelo fato de as Casas Taiguara serem abrigos de passagem, ela conta um caso que aconteceu com três irmãos que foram para outra instituição. “Elas (as crianças) foram para esse serviço. Um foi para a Itália, o outro eu não me lembro para onde foi e a mais velha ficou no abrigo”.
Ela chama a atenção para o vínculo dos irmãos, sendo que a mais velha cuidou dos menores por 10 anos. “Agora ela não tem noção de quando verá novamente os irmãos, ou mesmo se isso vai acontecer”, diz Bruna.
Fonte:
Observatório do Terceiro Setor
Por Caio Lencioni
Acesse aqui
Outro dado que chama a atenção é que somente 8.420 crianças e adolescentes estão no Cadastro Nacional de Adoção (CNA). Ou seja, apenas 17,8% do total estão legalmente aptos a encontrar uma nova família.
A chegada ao abrigo
A psicóloga Bruna Tiengo, coordenadora de projetos das Casas Taiguara, diz que muitas crianças e adolescentes chegam aos abrigos a partir de denúncias de maus tratos, retirada de situação de rua, ou até mesmo por determinação de acolhimento feita na própria maternidade.
Este último caso ocorre quando a Vara da Infância e Juventude, ou o Ministério Público, reconhece a falta de estrutura da família e encaminha o bebê para o abrigo. “Às vezes a organização que encaminhou tem um relatório com mais detalhes, mas as vezes o acolhido não possui nem o nome, certidão de nascimento, ou nenhum outro documento”, relata.
Um fator importante é o vínculo afetivo em relação à família.
Boa parte das crianças e dos adolescentes acolhidos possui famílias.
Bruna explica que a instituição busca entender o histórico da criança para tentar reconstruir esse vínculo, mas que às vezes a visita de familiares é proibida por determinação de um órgão maior. “A família faz parte do processo. A gente vai estreitando essa relação”, explica Bruna.
Também é frequente ver crianças que, apesar da pouca idade, já enfrentaram diversos problemas na vida. Joroedson Marçal, coordenador da Casa Taiguara da Bela Vista, em São Paulo, lembra o caso de um garoto que tinha 12 anos quando chegou à instituição. “Ele já tinha vivido muito mais que eu. Com 7 anos ele já estava na rua. O pai tinha sido preso e a mãe era alcoólatra”.
Ele diz que o menino se comportava como se fosse mais velho e que foi necessário fazer uma desconstrução para um resgate da infância. “Eu dei um carrinho de presente para ele. Num primeiro momento ele não gostou, mas logo em seguida ficou feliz da vida brincando com o presente”.
Escola
As crianças em situação de acolhida frequentam escolas públicas comuns e, muitas vezes, as escolas não oferecem o suporte necessário para que essas crianças se sintam incluídas.
Bruna Tiengo explica que alguns dos acolhidos não aprenderam a ler antes de chegar à instituição e que outros possuem problemas de audição ou dificuldade para enxergar.
Esses problemas, considerados simples pela psicóloga, normalmente são tratados pelas escolas como mais graves do que realmente são.
“Eles (funcionários das escolas) não conseguem entender que a criança vai se sentir excluída e tentar chamar a atenção de outra forma”.
Bruna explica que há casos em que a escola, tratando a criança como problemática, a encaminha para serviços de tratamento. “Aí a criança é medicada sem necessidade, para ver se o comportamento muda, quando na verdade ela só precisava de um oftalmologista”, explica. Para ela, o principal é perceber e escutar, “principalmente o não dito”.
Casas Taiguara
Há 25 anos acolhendo jovens em situação de rua, as Casas Taiguara fazem um trabalho que, de acordo com o coordenador da Casa Taiguara da Bela Vista, em São Paulo, é diferente.
Joroedson Marçal trabalha na área de abrigos há 20 anos e diz que a instituição faz mais do que um trabalho assistencial, já que busca conhecer cada jovem individualmente para ajudá-lo a traçar um plano de vida.
Além do Plano Individual de Atendimento (PIA), que busca apresentar a instituição ao acolhido e conhecer a sua história, essa atenção individual, proporcionada por educadores da organização, contribui para que o mesmo descubra o seu potencial.
Essa descoberta do potencial é considerada um processo importante, já que muitos têm históricos de abusos, morte dos pais, entre outras situações difíceis, e ao entrarem na instituição não conseguem ver o futuro de forma positiva.
Além disso, Joroedson lembra que os jovens só ficam nos abrigos até completarem 18 anos. Por isso é tão importante contribuir para que todos reconheçam seu próprio potencial e desenvolvam certa autonomia.
“O marco dos 18 anos significa que você já está pronto para tocar sua vida?”, reflete a psicóloga Bruna Tiengo, coordenadora de projetos das Casas Taiguara.
Bruna também destaca que se a instituição não ensinar esses jovens a se virarem sozinhos, eles vão acabar voltando para as ruas.
A vida depois do abrigo
Apesar de as Casas Taiguara focarem no desenvolvimento da autonomia dos atendidos, nem sempre a vida deles após deixarem os abrigos corre da maneira planejada.
A dificuldade para conseguir emprego, por exemplo, principalmente em tempos de crise, é grande, e o custo de vida alto de cidades como São Paulo torna a situação ainda mais complicada.
De acordo com um estudo realizado em 2017 pela Economist Inteligence Unit (EIU), instituição de pesquisa ligada à revista britânica The Economist, São Paulo é uma das cidades que mais subiram no ranking de custo de vida, avançando 27 posições e assumindo o 76º lugar entre 132 cidades no mundo.
Diante deste cenário, os egressos dos abrigos buscam diferentes alternativas para sobreviver. Joroedson conta que hoje 15 ex-atendidos das Casas Taiguara vivem em uma ocupação na zona norte da capital paulista. “Há quatro anos, eles começaram a moradia com 3 pessoas”, lembra.
Após conseguirem um teto, esses jovens lutam para se alimentar. “Uma vez eles dividiram um prato de comida por 10”.
Adoção
Muitos reclamam da fila de espera para adotar um filho.
Mas quem já passou pelo processo não apenas diz que vale a pena a espera como também acredita que o tempo pode ser usado para se preparar para a chegada de um novo membro à família.
Wagner Yamuto e a esposa, Grazyella, descobriram em 2004 que não poderiam gerar um filho e decidiram adotar uma criança.
A espera durou três anos. Em 2007, o casal adotou um menino de 11 meses. “Ter um filho é o melhor sentimento que existe”, conta Wagner.
Nos três anos entre o surgimento da ideia de adotar e a concretização do sonho, Wagner e Grazyella buscaram o máximo de informação possível sobre adoção, mas perceberam que não havia muita coisa disponível.
A partir daí, surgiu a ideia de criar o Adoção Brasil, um blog que contém informações sobre o processo de adoção e depoimentos de pessoas que estão na fila ou já adotaram uma criança. “Percebi que nos sites do governo só havia questões técnicas sobre a adoção. Senti a necessidade de colocar depoimentos mais humanizados”, explica Wagner.
O outro lado da adoção
A adoção pode ser um novo começo para muitos jovens que estão nesses abrigos, mas a psicóloga Bruna Tiengo conta que existem casos que trazem certa angústia.
Muitas dessas crianças e adolescentes possuem famílias e podem ter chegado ao abrigo por diversos motivos.
Para Bruna, é fundamental privilegiar o retorno do acolhido para sua própria família.
A psicóloga também destaca que um dos pontos delicados da adoção é a eventual separação de irmãos.
Pelo fato de as Casas Taiguara serem abrigos de passagem, ela conta um caso que aconteceu com três irmãos que foram para outra instituição. “Elas (as crianças) foram para esse serviço. Um foi para a Itália, o outro eu não me lembro para onde foi e a mais velha ficou no abrigo”.
Ela chama a atenção para o vínculo dos irmãos, sendo que a mais velha cuidou dos menores por 10 anos. “Agora ela não tem noção de quando verá novamente os irmãos, ou mesmo se isso vai acontecer”, diz Bruna.
Fonte:
Observatório do Terceiro Setor
Por Caio Lencioni
Acesse aqui