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22/02/2017 - Eles chegaram lá
21/02/2017
Jovens negros e egressos das redes públicas conquistam cada vez mais espaços nas universidades brasileiras
Negra, pobre, estudante de escola pública, moradora da periferia. Assim era possível definir Bruna Sena, de 17 anos, filha de uma caixa de supermercado de Ribeirão Preto, interior de São Paulo, criada sozinha pela mãe. Uma entre milhões de brasileiras. Desde o início de fevereiro, um novo aposto passou, porém, a defini-la: primeira colocada em Medicina da USP local, carreira mais concorrida do concurso.
“A casa-grande surta quando a senzala vira médica”, escreveu a jovem em sua página do Facebook ao comemorar sua conquista. A provocação não poderia ser mais oportuna. Enquanto todas as universidades federais e 30 das 38 estaduais aderem à adoção das cotas raciais, a USP – maior universidade pública do País – é uma das últimas a resistir à reserva de vagas. O efeito não poderia ser outro: em 2015, apenas 3,5% dos alunos dos dez cursos mais concorridos da USP eram negros.
Em contrapartida, a proporção de alunos negros e pardos nas faculdades federais brasileiras cresce significativamente, segundo mostra um levantamento realizado Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes). O estudo revelou que o número de negros cresceu de 5,90% em 2003 para 9,82% em 2014. Os pardos, por sua vez, passaram de 28% para 37,75%. Juntos, os dois grupos passaram a representar 47,57% dos alunos, um aumento de mais de 10 pontos percentuais. O avanço é creditado à Lei n° 12.711, conhecida como Lei das Cotas, aprovada em agosto de 2012, que obrigou as instituições federais a reservar 50% de suas vagas.
Aprovada na Universidade Federal de Alagoas (UFAL) no curso de Engenharia Civil, Jade Maria Araújo, 20 anos, comemora sua conquista sem esquecer, no entanto, a sina de seus colegas de sala da escola pública. “Fui a única a passar em uma universidade pública. Todos os meus amigos ou foram para a faculdade particular ou pararam de estudar”, conta a moradora do bairro de Itaquera, localizado na zona leste de São Paulo. Negra e também estudante da Fatec-SP, a jovem relata já ter sido vítima de preconceito dentro da instituição. “Um colega de sala me disse que eu não deveria estar ali, pois eu tinha roubado a vaga de alguém que merecia mais. Acham que nós, negros, estamos nos vitimizando ao usar ações afirmativas, mas só estamos equiparando uma injustiça histórica”.
Débora Dias, 18 anos, celebra o ingresso em três faculdades públicas – Ciências Sociais na Universidade Federal de São Paulo e na Unesp e em Comércio Exterior na Fatec – apesar de todos os percalços vividos durante a Educação Básica cursada na rede. “Estou matriculada na Unifesp. Meu objetivo é terminar a graduação e prestar o concurso para ser diplomata”, conta animada a jovem moradora do bairro de São Matheus, também na zona leste paulistana.
A estudante lamenta, no entanto, o fato do Ensino Superior ser encarado pelos próprios professores e gestores da rede como uma realidade distante dos alunos. “Por mais que existam professores que te motivam a ir adiante, você vê muitos que são totalmente descrentes, como se aquilo não fosse para a gente. E quando se falava em faculdade na aula era com muito mais ênfase em programas para o ingresso em particulares como o Fies e o ProUni do que para o Sisu”, conta.
Para Haron Miquilino, 19 anos, a ausência de representatividade negra e de outras minorias no Ensino Superior público lhe ficou evidente quando passou a frequentar o cursinho pré-vestibular gratuito da Faculdade de Direito da USP e observar a população do campus. “Percebi como era um espaço elitizado. A maioria dos estudantes vinha de colégios caríssimos, sem falar naqueles que fizeram parte de seus estudos fora do Brasil. Poucos vinham da escola pública e, entre esses, a grande maioria era branca, de classe média. Essa percepção me mostrou como nós, negros, precisamos colorir a universidade”.
Aprovado no curso de Relações Públicas das universidades federais de Santa Maria, Paraíba e Goiás, Haron, que cursou a Educação Básica como bolsista de uma escola particular, viu a satisfação da conquista ser substituída por frustração. “Eu tinha acabado de me formar no Ensino Médio e minha mãe não tinha renda suficiente para me sustentar morando longe. Isso me mostrou como conquistar a vaga é só o começo, pois como posso mudar de estado se não tenho dinheiro? Mesmo se conseguisse uma bolsa de auxílio, o valor é muito baixo”, critica.
O estudante refere-se à Bolsa Permanência, auxílio financeiro no valor de 400 reais dado pelo governo a estudantes matriculados em instituições federais de ensino superior em situação de vulnerabilidade socioeconômica e estudantes indígenas e quilombolas.
Preocupação semelhante vive Jhenifer Bernardes, 17 anos, primeira mulher de sua família a entrar na universidade. A jovem se preocupa com o emprego que precisará arrumar assim que se mudar de São Paulo para Araraquara onde cursará Administração Pública na Unesp. “Meus pais não podem ajudar e o auxílio é pouco. É ruim, pois sei que isso pode prejudicar meus estudos, mas já desde a época da escola pública tive que trabalhar durante o dia e estudar à noite”, conta.
Além dos desafios para a permanência, em comum todos os quatro possuem o fato de terem realizado os cursinhos pré-vestibulares gratuitos da Uneafro Brasil, que atendem jovens e adultos oriundos de escolas públicas, prioritariamente negros, que sonham em ingressar no Ensino Superior. Mais do que conteúdo curricular, relatam ter aprendido sobre a importância da militância e de sua representatividade na educação de nível superior. “Nunca me reconheci tanto como a mulher negra que sou”, resume Débora.
Douglas Belchior, professor e ativista da Uneafro, acrescenta: “Como uma organização do movimento negro, escolhemos enfrentar o racismo, o genocídio, o machismo e as desigualdades econômicas através da ação direta na vida real das pessoas, em nossas próprias comunidades, por meio da educação. Acreditamos muito nessa forma de atuar”. Os frutos, tudo indica, começam a ser colhidos.
Fonte:
Carta Capital
Carta Educação
Por Thaís Paiva
Acesse aqui
Em contrapartida, a proporção de alunos negros e pardos nas faculdades federais brasileiras cresce significativamente, segundo mostra um levantamento realizado Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes). O estudo revelou que o número de negros cresceu de 5,90% em 2003 para 9,82% em 2014. Os pardos, por sua vez, passaram de 28% para 37,75%. Juntos, os dois grupos passaram a representar 47,57% dos alunos, um aumento de mais de 10 pontos percentuais. O avanço é creditado à Lei n° 12.711, conhecida como Lei das Cotas, aprovada em agosto de 2012, que obrigou as instituições federais a reservar 50% de suas vagas.
Aprovada na Universidade Federal de Alagoas (UFAL) no curso de Engenharia Civil, Jade Maria Araújo, 20 anos, comemora sua conquista sem esquecer, no entanto, a sina de seus colegas de sala da escola pública. “Fui a única a passar em uma universidade pública. Todos os meus amigos ou foram para a faculdade particular ou pararam de estudar”, conta a moradora do bairro de Itaquera, localizado na zona leste de São Paulo. Negra e também estudante da Fatec-SP, a jovem relata já ter sido vítima de preconceito dentro da instituição. “Um colega de sala me disse que eu não deveria estar ali, pois eu tinha roubado a vaga de alguém que merecia mais. Acham que nós, negros, estamos nos vitimizando ao usar ações afirmativas, mas só estamos equiparando uma injustiça histórica”.
Débora Dias, 18 anos, celebra o ingresso em três faculdades públicas – Ciências Sociais na Universidade Federal de São Paulo e na Unesp e em Comércio Exterior na Fatec – apesar de todos os percalços vividos durante a Educação Básica cursada na rede. “Estou matriculada na Unifesp. Meu objetivo é terminar a graduação e prestar o concurso para ser diplomata”, conta animada a jovem moradora do bairro de São Matheus, também na zona leste paulistana.
A estudante lamenta, no entanto, o fato do Ensino Superior ser encarado pelos próprios professores e gestores da rede como uma realidade distante dos alunos. “Por mais que existam professores que te motivam a ir adiante, você vê muitos que são totalmente descrentes, como se aquilo não fosse para a gente. E quando se falava em faculdade na aula era com muito mais ênfase em programas para o ingresso em particulares como o Fies e o ProUni do que para o Sisu”, conta.
Para Haron Miquilino, 19 anos, a ausência de representatividade negra e de outras minorias no Ensino Superior público lhe ficou evidente quando passou a frequentar o cursinho pré-vestibular gratuito da Faculdade de Direito da USP e observar a população do campus. “Percebi como era um espaço elitizado. A maioria dos estudantes vinha de colégios caríssimos, sem falar naqueles que fizeram parte de seus estudos fora do Brasil. Poucos vinham da escola pública e, entre esses, a grande maioria era branca, de classe média. Essa percepção me mostrou como nós, negros, precisamos colorir a universidade”.
Aprovado no curso de Relações Públicas das universidades federais de Santa Maria, Paraíba e Goiás, Haron, que cursou a Educação Básica como bolsista de uma escola particular, viu a satisfação da conquista ser substituída por frustração. “Eu tinha acabado de me formar no Ensino Médio e minha mãe não tinha renda suficiente para me sustentar morando longe. Isso me mostrou como conquistar a vaga é só o começo, pois como posso mudar de estado se não tenho dinheiro? Mesmo se conseguisse uma bolsa de auxílio, o valor é muito baixo”, critica.
O estudante refere-se à Bolsa Permanência, auxílio financeiro no valor de 400 reais dado pelo governo a estudantes matriculados em instituições federais de ensino superior em situação de vulnerabilidade socioeconômica e estudantes indígenas e quilombolas.
Preocupação semelhante vive Jhenifer Bernardes, 17 anos, primeira mulher de sua família a entrar na universidade. A jovem se preocupa com o emprego que precisará arrumar assim que se mudar de São Paulo para Araraquara onde cursará Administração Pública na Unesp. “Meus pais não podem ajudar e o auxílio é pouco. É ruim, pois sei que isso pode prejudicar meus estudos, mas já desde a época da escola pública tive que trabalhar durante o dia e estudar à noite”, conta.
Além dos desafios para a permanência, em comum todos os quatro possuem o fato de terem realizado os cursinhos pré-vestibulares gratuitos da Uneafro Brasil, que atendem jovens e adultos oriundos de escolas públicas, prioritariamente negros, que sonham em ingressar no Ensino Superior. Mais do que conteúdo curricular, relatam ter aprendido sobre a importância da militância e de sua representatividade na educação de nível superior. “Nunca me reconheci tanto como a mulher negra que sou”, resume Débora.
Douglas Belchior, professor e ativista da Uneafro, acrescenta: “Como uma organização do movimento negro, escolhemos enfrentar o racismo, o genocídio, o machismo e as desigualdades econômicas através da ação direta na vida real das pessoas, em nossas próprias comunidades, por meio da educação. Acreditamos muito nessa forma de atuar”. Os frutos, tudo indica, começam a ser colhidos.
Fonte:
Carta Capital
Carta Educação
Por Thaís Paiva
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