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19/06/2020 - Mais de 80 milhões de latino-americanos podem ficar sem renda suficiente para comer em 2020, constatam FAO e Cepal

19/06/2020

A pandemia começou quando a América Latina já passava por um grande momento de crise. As perspectivas eram de desaceleração no crescimento, mas com a covid-19 a região deve se preparar para a maior retração no PIB em um século. A Comissão Econômica para a América Latina – Cepal e a Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação – FAO apresentaram um estudo na terça-feira, 16-06-2020, apontando um crescimento recorde da fome.

O relatório apresentando em conjunto pelas agências da ONU, intitulado “Prevenindo que a crise da Covid-19 se torne uma crise alimentar: medidas urgentes contra a fome na América Latina e no Caribe”, constata que a crise do coronavírus afeta todos os setores da cadeia de produção de alimentos. Assim, há a tendência de criação de um ciclo, gerando prejuízo na produção devido às condições sanitárias, a diminuição da demanda e a crise de preços na oferta.

Ainda que a indústria de alimentos seja considerada atividade essencial, a produção sofrerá com a queda no preço dos produtos, devido à diminuição da demanda e as dificuldades de escoamento. Junto a isso, pode se somar um aumento no custo do armazenamento de grãos e leite. Isso ocorre também pelas restrições logísticas, exigindo um abastecimento com maiores condições sanitárias aos trabalhadores, que quando não cumpridas acarretam mais prejuízos - como ocorreu recentemente na América Central, quando a Costa Rica exigiu rigorosas normas sanitárias para entrada de caminhões no país, e a resposta negativa da vizinha Nicarágua deu-se com o fechamento total da fronteira por 10 dias.

Segundo as agências, o principal impacto ocorrerá pela crise na demanda. Hoje, nas estimativas da FAO, 54 milhões de latino-americanos já não tem renda o suficiente para comer. A previsão é de agravamento da situação. O poder de compra da população economicamente ativa pode diminuir em até 5%. A falta de renda causada pela paralisação das atividades deve jogar 16 milhões de latino-americanos na extrema pobreza ainda neste ano, acumulando mais de 83 milhões nesta condição.

Com a crise em toda a cadeia produtiva, o aumento da pobreza ocorrerá tanto na área urbana, quanto na área rural. O relatório destaca a necessidade de proteção e assistência para os produtores rurais. Alguns países implementaram medidas como a fixação de preços de alimentos, e um programas para auxílio à agricultura de subsistência. No entanto, as projeções (demonstradas nos gráficos abaixo) indicam que ao final de 2020 mais 6 milhões de moradores do campo podem entrar na extrema pobreza. A agricultura familiar representa 90% da produção agrícola, porém, com apenas 23% das terras, são os mais vulneráveis da cadeia de produção alimentar.

Outro dado que preocupa as agências está relacionado com a qualidade da alimentação. Constata-se entre março e maio um aumento no consumo de produtos industrializados. A diminuição na renda leva as populações ao consumo de produtos mais baratos, que contém mais sódio, açúcar e gorduras saturadas. Outro agravante é a limitação para deslocamento, dificultando o acesso a produtos frescos, como frutas e verduras. Na média regional, o índice de preços de alimentos, cresceu 3% acima do índice de preços do consumidor durante o período da pandemia, isso é, os alimentos tiveram um aumento de preço maior que os bens e serviços na economia.

A importação/exportação de alimentos causará impacto maior nas ilhas do Caribe. Segundo o relatório, os países caribenhos são especialmente vulneráveis nessa relação, visto que a balança comercial na produção é negativa, isso é depende em grande parte da importação.

Por fim, as agências recomendam "um decálogo de medidas emergentes contra a fome" para os países latino-americanos. Entre as medidas reforça-se a necessidade de uma renda básica emergencial, já defendida pela Cepal e implementada em alguns países. No entanto, acrescenta-se a necessidade de um auxílio específico para a alimentação. As dez medidas são:

1) Que todos os lares especialmente aqueles em condição de extrema pobreza e de insegurança alimentar severa, acessem a uma alimentação suficiente e nutritiva:
I. Reforçar a renda básica de emergência proposta pela Cepal com um adicional contra a fome;
II. Reforçar os programas de alimentação escolar para garantir a alimentação de crianças e adolescentes;
III. Apoiar com subsídios monetários ou com doações de alimentos provenientes das empresas e os governos às iniciativas de assistência alimentar das organizações da sociedade civil.

2) Que todas as empresas e atores do sistema alimentar possam realizar suas tarefas sem interrupções:
IV. Outorgar apoio financeiro (crédito e subsídios produtivos) às empresas agropecuárias, orientado principalmente para a agricultura familiar;
V. Ajustar os protocolos de saúde na produção, o transporte e os mercados;
VI. Expandir e garantir o funcionamento dos programas de apoio à produção de autoconsumo;
VII. Assegurar o financiamento, a assistência técnica e o acesso a insumos e mão de obra aos agricultores e os pescadores artesanais.

3) Que os países contem com alimentos suficientes para garantir o abastecimento a preços razoáveis:
VIII. Estabelecer ou manter mecanismos ágeis de consulta e coordenação público-privada entre todos os atores do sistema alimentar, abarcando a produção, o abastecimento, a distribuição e o acesso a alimentos;
IX. Impedir que os mercados e as agroindústrias fechem ou diminuam as operações;
X. Continuar com as políticas que mantiveram aberto o comércio mundial de alimentos, em particular evitando medidas protecionistas que aumentem o preço dos alimentos.
 


Fonte:
OBSERVATÓRIO DO TERCEIRO SETOR
Por: Wagner Fernandes de Azevedo 


 
 
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