Notícias
12/09/2017 - “A criança deveria estar lendo, não trabalhando”, diz Roger Mello, autor premiado que retrata as difíceis infâncias do Brasil
11/09/2017
Poderia se considerar que os livros do ilustrador brasiliense falam de temas duros, como o trabalho infantil, a infância em situação de privação de direitos ou da criança que não tempo de ser criança. Mas para Roger, não existe tema difícil. Difícil é não usar o potencial da literatura para refletir sobre a vida de crianças e adolescentes nos muitos Brasis e em outros países.
O ilustrador, que há mais de 20 anos mora no Rio de Janeiro, é ganhador de 12 prêmios Jabuti em literatura infantil. Em 2014 tornoou-se também o primeiro ilustrador brasileiro a receber o prêmio Hans Christian Andersen, maior honraria internacional em literatura infantojuvenil, com o trabalho Carvoeirinhos (2009).
Ainda assim, a expressão literatura infantil deixa Roger particularmente desconfortável. Mais do que categorizar um tipo de literatura, ela pode pasteurizar a escrita, ao partir da premissa de que a criança ou adolescente não pode entrar em contato com determinados temas:
Literatura sem concessões: meninos do carvão
Poupar não é verbo na literatura de Roger. Seus personagens não recebem concessão ou têm temáticas maquiadas. Quando criança e percorrendo as estradas da Bahia e do Sergipe, o autor se intrigava com a estrutura ovalada, tão semelhante a ninhos de insetos, que compunham as carvoarias. O premiado livro Carvoeirinhos (2009) conta então a história de um marimbondo que, na luta para manter sua casa e dar de comer à sua larva, se depara com um menino trabalhador da fornalha.
Enquanto ambos protagonizam micro batalhas em meio a barro e picadas, a história revela a dureza da rotina do menino, que queima suas mãos num fogo intenso, arde os lábios no cigarro para aplacar a dor e se esconde da fiscalização do trabalho com medo de perder seu ganha-pão. O trabalho infantil não é a temática, mas zune em todas as direções e violências sofridas tanto pelo pequeno inseto quando pelo menino protagonista.
“A literatura é a maneira mais efetiva de se fazer uma denúncia, sem torná-la panfletária. Com ela, é possível trabalhar temas universais, respeitando o personagem e inserindo-o dentro de uma história complexa que tenha sim viés social, mas também outras belezas narrativas”.
Roger complementa que essa literatura sem concessão cria o que chama de simulacro da realidade: a criança consegue desenvolver empatia, entendendo, à sua maneira, se determinada situação está errada, e como não reproduzi-la na vida real. Assim, desenvolve sensibilidade com relação ao mundo, sem precisar de uma mastigação adulta dos temas.
O autor encontra na militância da literatura uma forma de combate ao trabalho infantil e a outras violações. Quando em contato com o livro, a criança está longe da exploração e mais próxima do tempo a que realmente deve pertencer: o da imaginação e descobrimento.
Enquanto divide seu tempo viajando entre Brasil e China, onde colabora com artistas locais, Roger trabalha na criação de seu próximo livro, uma história da infância de filhos de cortadores de cana, e defende que a literatura, principalmente consumida por crianças, não se prive de contar histórias, por medo de enveredar em asperezas:
Ver-se nos livros: as crianças do mangue
“Muitas vezes as crianças que vivem em situações de desigualdade ou pobreza não se reconhecem nos livros que leem. Suas casas não têm chaminés ou são feitas de tijolos como as dos contos tradicionais”, observa Roger.
Para os meninos da escola Municipal Vieira Fazenda, foi uma grande alegria quando eles descobriram o livro Meninos do Mangue (2002) na sua biblioteca. Seu colégio fica na região de Marambaia, no Rio de Janeiro, e a atividade de coleta de caranguejos é o modo de sobrevivências das famílias.
A partir dos livros, os meninos e meninas realizaram textos, peças de teatro e música ligada ao ambiente aquático do manguezal. “Foi um trabalho importante de autoestima, de finalmente reconhecer-se na literatura. Eles falavam: ‘minha casa é assim, esse modo de vida eu conheço!’, e isso faz toda diferença na sua percepção de mundo. Eles não se sentem mais excluídos.”
Fonte:
Rede Peteca - chega de trabalho infantil
Por:
Cecília Garcia
Roger Mello gosta de desenhar asperezas.
Com o plástico queimado nas cores cítricas do fogo, ele conta a história do menino carvoeiro e seu par marimbondo nas fornalhas.
Com o lixo recolhido na lama, relata a vida das crianças anfíbias dos mangues.
E é com um fio costurado que conduz uma narrativa sobre a infância pesqueira.
Com o plástico queimado nas cores cítricas do fogo, ele conta a história do menino carvoeiro e seu par marimbondo nas fornalhas.
Com o lixo recolhido na lama, relata a vida das crianças anfíbias dos mangues.
E é com um fio costurado que conduz uma narrativa sobre a infância pesqueira.
Poderia se considerar que os livros do ilustrador brasiliense falam de temas duros, como o trabalho infantil, a infância em situação de privação de direitos ou da criança que não tempo de ser criança. Mas para Roger, não existe tema difícil. Difícil é não usar o potencial da literatura para refletir sobre a vida de crianças e adolescentes nos muitos Brasis e em outros países.
O ilustrador, que há mais de 20 anos mora no Rio de Janeiro, é ganhador de 12 prêmios Jabuti em literatura infantil. Em 2014 tornoou-se também o primeiro ilustrador brasileiro a receber o prêmio Hans Christian Andersen, maior honraria internacional em literatura infantojuvenil, com o trabalho Carvoeirinhos (2009).
Ainda assim, a expressão literatura infantil deixa Roger particularmente desconfortável. Mais do que categorizar um tipo de literatura, ela pode pasteurizar a escrita, ao partir da premissa de que a criança ou adolescente não pode entrar em contato com determinados temas:
"Foi há pouquíssimo tempo que se inventou a noção de um livro só para crianças, que o adulto não conseguiria ler. Mas desse livro a criança também não gosta. Ela vai abandoná-lo, porque falta o perigo. Ela quer a poesia, o lúdico. Mas também o conflito.”
Literatura sem concessões: meninos do carvão
Poupar não é verbo na literatura de Roger. Seus personagens não recebem concessão ou têm temáticas maquiadas. Quando criança e percorrendo as estradas da Bahia e do Sergipe, o autor se intrigava com a estrutura ovalada, tão semelhante a ninhos de insetos, que compunham as carvoarias. O premiado livro Carvoeirinhos (2009) conta então a história de um marimbondo que, na luta para manter sua casa e dar de comer à sua larva, se depara com um menino trabalhador da fornalha.
Enquanto ambos protagonizam micro batalhas em meio a barro e picadas, a história revela a dureza da rotina do menino, que queima suas mãos num fogo intenso, arde os lábios no cigarro para aplacar a dor e se esconde da fiscalização do trabalho com medo de perder seu ganha-pão. O trabalho infantil não é a temática, mas zune em todas as direções e violências sofridas tanto pelo pequeno inseto quando pelo menino protagonista.
“A literatura é a maneira mais efetiva de se fazer uma denúncia, sem torná-la panfletária. Com ela, é possível trabalhar temas universais, respeitando o personagem e inserindo-o dentro de uma história complexa que tenha sim viés social, mas também outras belezas narrativas”.
Roger complementa que essa literatura sem concessão cria o que chama de simulacro da realidade: a criança consegue desenvolver empatia, entendendo, à sua maneira, se determinada situação está errada, e como não reproduzi-la na vida real. Assim, desenvolve sensibilidade com relação ao mundo, sem precisar de uma mastigação adulta dos temas.
O autor encontra na militância da literatura uma forma de combate ao trabalho infantil e a outras violações. Quando em contato com o livro, a criança está longe da exploração e mais próxima do tempo a que realmente deve pertencer: o da imaginação e descobrimento.
"Temos que encarar o livro como objeto de ludicidade. A criança devia estar lendo em vez de estar no trabalho infantil. Isso só é possível com políticas públicas mais firmes e com o envolvimento de todos na militância por uma literatura mais acessível, que crie leitores participativos e críticos”.
Enquanto divide seu tempo viajando entre Brasil e China, onde colabora com artistas locais, Roger trabalha na criação de seu próximo livro, uma história da infância de filhos de cortadores de cana, e defende que a literatura, principalmente consumida por crianças, não se prive de contar histórias, por medo de enveredar em asperezas:
“Não existe o tema duro. Existe o personagem, a história e a melhor maneira de contá-la. E para fazer isso, é necessário escrevê-la sem julgamentos e filtros, fazendo-a atingível para a criança, confiando na sua capacidade de interpretação. Sem esconder nada, para que esse pequeno leitor possa imaginar”.
Ver-se nos livros: as crianças do mangue
“Muitas vezes as crianças que vivem em situações de desigualdade ou pobreza não se reconhecem nos livros que leem. Suas casas não têm chaminés ou são feitas de tijolos como as dos contos tradicionais”, observa Roger.
Para os meninos da escola Municipal Vieira Fazenda, foi uma grande alegria quando eles descobriram o livro Meninos do Mangue (2002) na sua biblioteca. Seu colégio fica na região de Marambaia, no Rio de Janeiro, e a atividade de coleta de caranguejos é o modo de sobrevivências das famílias.
A partir dos livros, os meninos e meninas realizaram textos, peças de teatro e música ligada ao ambiente aquático do manguezal. “Foi um trabalho importante de autoestima, de finalmente reconhecer-se na literatura. Eles falavam: ‘minha casa é assim, esse modo de vida eu conheço!’, e isso faz toda diferença na sua percepção de mundo. Eles não se sentem mais excluídos.”
Fonte:
Rede Peteca - chega de trabalho infantil
Por:
Cecília Garcia