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12/06/2015 - O que ainda falta fazer para a erradicação do trabalho infantil no Brasil?
Por Ana Luísa Vieira*, do Promenino, com Cidade Escola Aprendiz
*Colaboraram Ana Luiza Basílio e Tânia Carlos
O direito a brincar, estudar e se desenvolver na infância é negado a 168 milhões de crianças em situação de trabalho em todo o mundo. No Brasil, 3,1 milhões de meninos e adolescentes entre 5 e 17 anos também passam por essa graveviolação de direitos. De acordo com a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD), 80% desses jovens estão na faixa de 14 a 17 anos.
Imprescindível, o debate sobre o tema ganha força neste mês. Desde 2002, por decisão da Organização Internacional do Trabalho (OIT), 12 de junho é o Dia Mundial Contra o Trabalho Infantil.
Cronograma da série
16/6 – O papel da educação
23/6 – A desconstrução dos mitos
30/6 – A importância das instituições
O que ainda falta fazer para a erradicação do trabalho infantil no país? O Promenino fez essa pergunta a especialistas, militantes e integrantes do Sistema de Garantia de Direitos. Desta sexta-feira (12) até o fim do mês, publicaremos uma série especial com depoimentos e reflexões sobre o assunto. Neste primeiro capítulo, ressaltam-se os desafios de quem está disposto a mudar essa realidade.
“O que vai acabar com o trabalho infantil é a educação de qualidade, ampla, inclusiva, especialmente para as populações menos atendidas. Estas populações estão no centro dos maiores desrespeitos aos direitos das crianças: periferias de grandes centros, comunidades rurais e pequenos municípios.”
Ana Moser, medalhista olímpica pela seleção brasileira de vôlei e presidente do Instituto Esporte e Educação.
“Acho que falta muita coisa para se erradicar o trabalho infantil no Brasil. É preciso erradicar otrabalho adulto semiescravo, por exemplo, em nossas usinas de cana-de-açúcar, em nossas carvoeiras. É preciso erradicar o subemprego. Enquanto isso não for feito, não se tem alternativa, fica-se dependente de uma lógica de exclusão e de manipulação do mercado. E isso faz que com que o sistema se utilize da formação de trabalho de crianças e jovens. É preciso garantir isso lá na ponta.
Por onde ando, não conheço nenhuma mãe que gostaria de que seus filhos fossem trabalhar, em vez de brincar ou estudar. Mas se chega a um ponto em que precisa-se da criança para complementar a subsistência. Não adianta só proibir que eles sejam explorados, deve-se proibir a exploração de adultos também, para que eles tenham um salário digno.
Imagine como essas pessoas vivem. Em 1999, quando fui trabalhar no Vale do Jequitinhonha, todos os meninos com 16 anos de idade falaram que iriam sair do projeto porque já haviam aprendido tudo. Eu perguntava: “Quem te disse isso?”. Eles respondiam: “Minha mãe. Ela disse que tenho de ir para o corte de cana, para ganhar um salário-mínimo nas usinas e produzir 14 toneladas por dia”.
Caso cortassem 20% a mais de cana, os meninos ganhavam um prêmio. Ficavam loucos e queriam produzir mais. Eles têm uma família que precisa disso e, nessa lógica, os meninos começam cada vez mais cedo. É um fatalismo, é um ciclo. “Por que você vai?”, eu perguntava a eles. E eles diziam: “Lá, eu tenho dinheiro no bolso”.
Tem de mudar lá em cima, mudar a lógica do mercado. Neste ciclo vicioso, nós queremos tirar os meninos do trabalho, mas não sabemos onde colocá-los. Onde vamos colocá-los? O que vem sendo feito nesse sentido?”
Tião Rocha, educador popular e idealizador do Centro Popular de Cultura e Desenvolvimento – CPCD.
“Eu fico muito triste quando vejo meninos e meninas trabalhando como um adulto. Penso que o lugar deles é na escola. É um momento de aprendizado, do ensino e não da feitura. Sou a favor de um aumento das escolas públicas nos diversos bairros das cidades, onde a distância não seja um obstáculo.”
Chico Teixeira, cineasta, diretor do filmeAusência.
"Temos um desafio muito grande. Acredito ser imprescindível adotar medidas eficazes, ações e políticas públicas voltadas à retirada das crianças e adolescentes que estão em situação de trabalho infantil. Trata-se de uma afronta aodispositivo constitucional que instituiu a proteção integral de meninos e meninas. Temos 213 mil crianças e adolescentes no trabalho doméstico, que é uma das piores formas de trabalho infantil. É preciso também pensar nos adolescentes entre 14 e 16 anos: apenas 5% sãoaprendizes. Entre os adolescentes de 16 e 17 anos, 1,8 milhão trabalham e apenas 487 mil têm carteira assinada. A atividade irregular traz graves prejuízos para o desenvolvimento desses garotos. E, independentemente da faixa etária, o direito à educação deve ser garantido prioritariamente: afinal, é obrigatório entre os 4 e os 17 anos. Também é importantíssimo um cenário que proteja as famílias e as comunidades, com projetos de transferência de renda e incentivo à educação dos pais. Por último, e não menos importante, é preciso que o setor empresarial monitore, quebre a cadeia produtiva que mantém o trabalho infantil na produção de matérias-primas. Não podemos ter retrocessos e, sim, intensificar a vigilância, a luta e a proteção aos direitos de crianças e adolescentes. Há dados que nos permitem um diagnóstico consistente, temos subsídios para tomar decisões. Podemos virar esse jogo.”
Isa Maria de Oliveira, secretária executiva do Fórum Nacional de Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil (Fnpeti).
*Colaboraram Ana Luiza Basílio e Tânia Carlos
O direito a brincar, estudar e se desenvolver na infância é negado a 168 milhões de crianças em situação de trabalho em todo o mundo. No Brasil, 3,1 milhões de meninos e adolescentes entre 5 e 17 anos também passam por essa graveviolação de direitos. De acordo com a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD), 80% desses jovens estão na faixa de 14 a 17 anos.
Imprescindível, o debate sobre o tema ganha força neste mês. Desde 2002, por decisão da Organização Internacional do Trabalho (OIT), 12 de junho é o Dia Mundial Contra o Trabalho Infantil.
Cronograma da série
16/6 – O papel da educação
23/6 – A desconstrução dos mitos
30/6 – A importância das instituições
O que ainda falta fazer para a erradicação do trabalho infantil no país? O Promenino fez essa pergunta a especialistas, militantes e integrantes do Sistema de Garantia de Direitos. Desta sexta-feira (12) até o fim do mês, publicaremos uma série especial com depoimentos e reflexões sobre o assunto. Neste primeiro capítulo, ressaltam-se os desafios de quem está disposto a mudar essa realidade.
“O que vai acabar com o trabalho infantil é a educação de qualidade, ampla, inclusiva, especialmente para as populações menos atendidas. Estas populações estão no centro dos maiores desrespeitos aos direitos das crianças: periferias de grandes centros, comunidades rurais e pequenos municípios.”
Ana Moser, medalhista olímpica pela seleção brasileira de vôlei e presidente do Instituto Esporte e Educação.
“Acho que falta muita coisa para se erradicar o trabalho infantil no Brasil. É preciso erradicar otrabalho adulto semiescravo, por exemplo, em nossas usinas de cana-de-açúcar, em nossas carvoeiras. É preciso erradicar o subemprego. Enquanto isso não for feito, não se tem alternativa, fica-se dependente de uma lógica de exclusão e de manipulação do mercado. E isso faz que com que o sistema se utilize da formação de trabalho de crianças e jovens. É preciso garantir isso lá na ponta.
Por onde ando, não conheço nenhuma mãe que gostaria de que seus filhos fossem trabalhar, em vez de brincar ou estudar. Mas se chega a um ponto em que precisa-se da criança para complementar a subsistência. Não adianta só proibir que eles sejam explorados, deve-se proibir a exploração de adultos também, para que eles tenham um salário digno.
Imagine como essas pessoas vivem. Em 1999, quando fui trabalhar no Vale do Jequitinhonha, todos os meninos com 16 anos de idade falaram que iriam sair do projeto porque já haviam aprendido tudo. Eu perguntava: “Quem te disse isso?”. Eles respondiam: “Minha mãe. Ela disse que tenho de ir para o corte de cana, para ganhar um salário-mínimo nas usinas e produzir 14 toneladas por dia”.
Caso cortassem 20% a mais de cana, os meninos ganhavam um prêmio. Ficavam loucos e queriam produzir mais. Eles têm uma família que precisa disso e, nessa lógica, os meninos começam cada vez mais cedo. É um fatalismo, é um ciclo. “Por que você vai?”, eu perguntava a eles. E eles diziam: “Lá, eu tenho dinheiro no bolso”.
Tem de mudar lá em cima, mudar a lógica do mercado. Neste ciclo vicioso, nós queremos tirar os meninos do trabalho, mas não sabemos onde colocá-los. Onde vamos colocá-los? O que vem sendo feito nesse sentido?”
Tião Rocha, educador popular e idealizador do Centro Popular de Cultura e Desenvolvimento – CPCD.
“Eu fico muito triste quando vejo meninos e meninas trabalhando como um adulto. Penso que o lugar deles é na escola. É um momento de aprendizado, do ensino e não da feitura. Sou a favor de um aumento das escolas públicas nos diversos bairros das cidades, onde a distância não seja um obstáculo.”
Chico Teixeira, cineasta, diretor do filmeAusência.
"Temos um desafio muito grande. Acredito ser imprescindível adotar medidas eficazes, ações e políticas públicas voltadas à retirada das crianças e adolescentes que estão em situação de trabalho infantil. Trata-se de uma afronta aodispositivo constitucional que instituiu a proteção integral de meninos e meninas. Temos 213 mil crianças e adolescentes no trabalho doméstico, que é uma das piores formas de trabalho infantil. É preciso também pensar nos adolescentes entre 14 e 16 anos: apenas 5% sãoaprendizes. Entre os adolescentes de 16 e 17 anos, 1,8 milhão trabalham e apenas 487 mil têm carteira assinada. A atividade irregular traz graves prejuízos para o desenvolvimento desses garotos. E, independentemente da faixa etária, o direito à educação deve ser garantido prioritariamente: afinal, é obrigatório entre os 4 e os 17 anos. Também é importantíssimo um cenário que proteja as famílias e as comunidades, com projetos de transferência de renda e incentivo à educação dos pais. Por último, e não menos importante, é preciso que o setor empresarial monitore, quebre a cadeia produtiva que mantém o trabalho infantil na produção de matérias-primas. Não podemos ter retrocessos e, sim, intensificar a vigilância, a luta e a proteção aos direitos de crianças e adolescentes. Há dados que nos permitem um diagnóstico consistente, temos subsídios para tomar decisões. Podemos virar esse jogo.”
Isa Maria de Oliveira, secretária executiva do Fórum Nacional de Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil (Fnpeti).
Você sabia?
“Brinquedo feito de haste de madeira ou bambu, que tem na extremidade papel em forma de velas de moinho e gira ao sabor de sopro ou vento.” Assim a palavra cata-vento é definida pelos dicionários. Seu significado, porém, vai ainda mais longe: atores do Sistema de Garantia dos Direitos da Criança e do Adolescente sabem que o papel colorido de cinco pontas representa um dos mais graves problemas sociais: o enfrentamento ao trabalho infantil.
Na História, a criação do cata-vento – também um dos instrumentos mais antigos de previsão do tempo – não tem data definida. Mas o Brasil o transformou em símbolo de respeito às crianças, ideia que ganhou o mundo por meio da Organização Internacional do Trabalho (OIT). As cinco pontas representam os continentes. Ao girar, explica o site da OIT, “elas inspiram a mobilização, a geração de energia capaz de mudar a situação de milhões de crianças exploradas como mão-de-obra em todo o mundo”.
Na História, a criação do cata-vento – também um dos instrumentos mais antigos de previsão do tempo – não tem data definida. Mas o Brasil o transformou em símbolo de respeito às crianças, ideia que ganhou o mundo por meio da Organização Internacional do Trabalho (OIT). As cinco pontas representam os continentes. Ao girar, explica o site da OIT, “elas inspiram a mobilização, a geração de energia capaz de mudar a situação de milhões de crianças exploradas como mão-de-obra em todo o mundo”.