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10/04/2017 - Experiências mostram caminhos para o ensino inclusivo no Brasil
04/04/2017
Em SP, aluno surdo leva escola a aprender Libras; no Rio, ONG faz teatro para pessoas com deficiência
No fim de 2016, 600 alunos, educadores e funcionários da Escola Municipal Dom Silvio Maria Dário percorreram o centro de Itapeva, no interior de São Paulo, sem dizer uma palavra.
Carregando cartazes, eles chamaram a atenção de lojistas e de quem passava para uma situação vivida todos os dias por milhares de crianças e adultos brasileiros: a surdez.
A passeata, que interrompeu o vaivém no calçadão da cidade, de 93 mil habitantes, era na verdade uma celebração.
A comemoração do projeto “Libras: a voz do silêncio”, um dos 11 vencedores do prêmio Criativos da Escola 2016, organizado pelo Instituto Alana.
A história que culminou na emocionante apresentação começou com a chegada de Rafael, um aluno surdo matriculado no 6º ano do colégio em 2016.
Mesmo acompanhado da intérprete da Língua Brasileira de Sinais (Libras) Juliana de Mattos, ele ficava isolado, e começou a chamar a atenção dos outros estudantes.
Não demorou muito e os próprios alunos começaram a pedir para aprender Libras, iniciando uma grande mudança.
Por meio de um convênio com uma universidade, a professa de língua portuguesa, Luciana Fascetti, conseguiu estudar a linguagem e passou a difundi-la em suas aulas.
As paredes do colégio ganharam cartazes com informações básicas na língua de sinais, como cores, meses e dias da semana.
E um coral em Libras ajudou a popularizar os sinais entre os 701 matriculados da Dom Silvio, que tem alunos do 7º ao 9º ano e Educação de Jovens e Adultos (EJA).
“Quando um aluno tem uma necessidade, toda a escola passa a se comportar de maneira especial”, diz a diretora, Maria Angélica Martins.
Ela observa que a unidade sempre foi conhecida pela inclusão, não só de estudantes com deficiência, mas também daqueles com problemas de comportamento ou dificuldade de aprendizagem.
O esforço para integrar Rafael, segundo Maria Angélica, trouxe ganhos para todos, como a melhoria do desempenho escolar e da disciplina.
Também repercutiu fora dos muros da Dom Silvo, mobilizando outros colégios, bairros e até a o Poder Legislativo da cidade.
Sensibilizada com uma apresentação do coral em Libras, a Câmara Municipal de Itapeva agora adota um intérprete da língua de sinais nas suas sessões.
Com a mesma ideia, de difundir a cultura da inclusão e a promoção de direitos, o grupo de teatro “Os Inclusos e Os Sisos”, do Rio de Janeiro, realiza espetáculos totalmente acessíveis em todo o Brasil.
As peças contam com recursos como áudio-descrição, legenda eletrônica, Libras e visita tátil de espectadores cegos ao cenário.
Idealizado em 2003 pela atriz Tatá Werneck, o grupo teatral conta com a parceria da ONG Escola de Gente, fundada em 2002 pela mãe da artista, a jornalista Cláudia Werneck.
Considerada pioneira no conceito de sociedade inclusiva no Brasil, especialmente no âmbito da comunicação, Cláudia defende que a educação inclusiva vai além de acessibilidade física e de adaptações pontuais. “Não é uma proposta de pegar o sistema educacional como ele é e colocar nele algumas pessoas com deficiência. É uma revolução sistêmica. Estamos falando de uma construção política, educacional, que dê conta de acolher e ensinar todo ser humano.”
Por conta dessa visão, ela é uma crítica das chamadas escolas especializadas para alunos com deficiência. “Escola especial não é escola. A Constituição não admite segregação de qualquer natureza. Não tenho como separar uma criança do restante da sua geração”, diz.
A consultora em educação inclusiva Marta Gil, coordenadora do instituto Amankay, explica que o Ministério da Educação (MEC) orienta que as crianças com deficiência sejam matriculadas em escolas regulares.
As escolas especializadas ficam incumbidas do Atendimento Educacional Especializado (AEE), no contraturno. “Não há um antagonismo, cada uma tem o seu papel”, analisa.
Em 1998, 87% dos alunos com algum tipo de deficiência estavam matriculados nas Classes Especiais no Brasil, segundo o MEC.
Em 2008, as proporções se inverteram pela primeira vez, e o número de crianças com deficiência matriculadas em Classes Regulares subiu para 54%, contra 46% das Classes Especiais.
De acordo com a legislação, nenhuma escola regular pode se negar a matricular crianças com deficiência.
Na visão de Cláudia Werneck, aspectos como esse mostram que houve evolução nas ultimas décadas, mas o direito à inclusão, em sua plenitude, está longe de ser respeitado. “A gente avançou muito nas políticas e nas leis, mas a prática depende de uma revolução maior. Os professores ficam muito acuados, tem baixa autoestima. Acho que não é dito para eles o que é inclusão, e isso faz com que o processo se atrase.”
Fonte:
Fundação Telefônica/Brasil
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