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03/02/2016- Inclusão, sim!
02/02/2016
Insegurança, despreparo, desinformação.
Esses são alguns dos problemas enfrentados por professores de todo o Brasil quando o assunto é inclusão escolar.
“Num ano, você recebe um aluno com síndrome de Down e estuda tudo sobre o assunto para ajudar aquele aluno. No ano seguinte, não é mais Down, é paralisia cerebral. E aí, como é que faz? Você estuda tudo de novo”.
Essa declaração é de um professor de rede municipal destacada na pesquisa Conselho de Classe, promovida pela Fundação Lemann com apoio do Instituto Paulo Montenegro, do Ibope.
Realizada no segundo semestre de 2014, a pesquisa teve a participação de mil professores do ensino fundamental (I e II) da rede pública.
Entre os fatores apontados pelos entrevistados como aqueles que precisam ser enfrentados com maior urgência, a falta de condições adequadas para a inclusão de alunos com deficiência foi apontada por 20% (entre os três itens mais urgentes) e 7% como o mais urgente.
Por outro lado, "o professor deve ser agente da educação inclusiva e de sustentabilidade desse processo", afirma a psicóloga Erenice Soares de Carvalho, professora colaboradora do programa de pós-graduação em Psicologia da Universidade Católica de Brasília (UCB) e consultora da Secretaria de Estado da Educação do Distrito Federal nas áreas de educação especial e inclusão escolar. “E não apenas na comunidade escolar, mas na sociedade”, completa Erenice.
A especialista enfatiza que a comunidade escolar não dispõe ainda de culturas, políticas e práticas pedagógicas voltadas à diversidade dos alunos e de seus direitos igualitários à educação, aprendizagem e participação. “Desse modo, as diferentes necessidades educacionais se diluem no grande contingente de alunos, de modo que os apoios e as particularidades de alguns estudantes, suas demandas específicas, não são visíveis e atendidos”, lamenta. Outro aspecto destacado por Erenice nesse contexto é a oferta de recursos de acessibilidade física, atitudinal, de informação e comunicação, entre outros, que precisam ser disponibilizados aos estudantes que necessitam. “A inclusão escolar impõe o paradigma segundo o qual cabe à escola adaptar-se para dar conta do aluno, e não o contrário (o aluno dar conta da escola). Desse modo, o conhecimento a respeito das necessidades específicas dos estudantes e a oferta de um currículo acessível são indispensáveis”, ressalta. E completa: “A mediação docente é também essencial nos processos de aprendizagem dos conteúdos curriculares e nas relações sociais na escola, em particular para romper as barreiras do preconceito e da discriminação entre membros da comunidade escolar”.
Para a educadora Priscila Augusta Lima, professora aposentada da Faculdade de Educação da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e autora da obra Educação inclusiva: igualdade social (Editora Avercamp), o desafio do professor e da escola é permanente quando se trata de inclusão. “Mas desafio não pode ser visto como algo negativo, mas sim como fator de crescimento”, frisa. “Isso não quer dizer que é fácil”, completa. Priscila acredita que a inclusão, além de não ser fácil, é desafiadora, principalmente para os professores. “O maior desafio para a escola é entender as mudanças do perfil do aluno (com e sem deficiência) e, com base nisso, repensar suas práticas, reavaliar-se para se modificar, senão ela fica estática”, alerta.
Priscila defende a capacitação docente na área da inclusão durante a própria graduação ou licenciatura e considera esse período como um “pré-natal”. “Da mesma maneira que o pré-natal para as gestantes, a capacitação em inclusão prepara o professor para lidar com o aluno com deficiência. E, como ocorre com a gestante, quando o bebê nasce, é tudo diferente. Mas é necessário que ela tenha esse conhecimento”, orienta. Mesmo assim, é preciso ter uma capacitação periódica ou complementar no caso daqueles que tiveram lacunas na formação inicial.
Romper paradigmas
Romper com os paradigmas cristalizados baseados em concepções de incapacidade e impossibilidade das pessoas com deficiências é o maior desafio, tanto para a escola quanto para os professores, na visão de Iêdes Soares Braga, diretora de Educação Especial da Secretaria de Estado da Educação, Esporte e Lazer do Distrito Federal. “Este é o primeiro passo – e talvez o mais difícil –, porque somos de uma geração que se desenvolveu distante das pessoas com deficiência, pois estas eram privadas da convivência social. Assim, nos faltou a oportunidade de experienciar essa rica possibilidade, transformando grande parte de nós em pessoas cuja crença acerca das pessoas com deficiência recai sobre fragilidades, e não sobre possibilidades”, explica. Assim, rompido esse desafio, Iêdes acredita que os demais se tornam pormenorizados. “No entanto, os sistemas educacionais devem prever e prover as instituições de ensino com recursos humanos e materiais que promovam a inclusão”, afirma.
Para Iêdes, a educação inclusiva consiste em um modelo de educação que considera e valoriza toda a diversidade presente na escola e prevê a transformação das escolas em espaços em que todos os saberes e formas de aprendizagem são compreendidos como propulsores de desenvolvimento humano.
A diretora ainda observa que a capacitação é necessária, mas não deve ser compreendida como condição primeira, e pode ser realizada concomitantemente com o atendimento ao aluno. “As barreiras físicas e atitudinais impostas pela sociedade ao longo dos anos estão sendo transpostas cada dia mais rápido pelos estudantes com deficiência e, se a escola não abre as portas, eles escalam o muro”, enfatiza.
Atualmente, 8,2 mil alunos com deficiência são atendidos pelas escolas da rede estadual de ensino do Distrito Federal.
Educação para todos
O pedagogo Daniel Nascimento, coordenador de processos da Fundação Síndrome de Down, de Campinas (SP), não acredita que a questão pedagógica e a capacitação docente específica sejam dificuldades para a inclusão. “Uma proposta de fato inclusiva consiste no que deve ser a educação de qualidade para todos, ou seja, um trabalho que olha para todas as crianças”, enfatiza. Segundo ele, a educação pela qual se trabalha na fundação é aquela em que cada sujeito, com ou sem deficiência, é entendido como singular, com capacidades, habilidades e limitações. “O trabalho em sala regular [de ensino] é aquele que olha cada aluno em sua individualidade, por isso [o trabalho com o aluno com deficiência] não deveria ser novidade para o professor”, adverte.
O pedagogo lembra ainda que as questões que dizem respeito à deficiência do aluno devem ser foco do atendimento educacional especializado (AEE), conforme preconiza a Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva. A fundação disponibiliza o AEE às escolas da rede municipal de Campinas, por meio de um convênio com a prefeitura. Além disso, atende a outras crianças matriculadas em escolas de ensino regular. “É possível observar o nível de desenvoltura e de autonomia de uma pessoa [com síndrome de Down] que passou a vida inteira em uma escola regular”, atesta.
Para o professor que está recebendo alunos com deficiência, Nascimento recomenda, primeiramente, uma mudança de visão. “Não é fácil para um professor, de repente, ver-se mobilizado a ter que mudar sua maneira de trabalho. Porque a inclusão implica em mudar a maneira de trabalho dele e a busca de estratégias para atingir a todos os alunos”, diz. E sugere: “O professor pode mudar de visão e pensar: ‘que boa oportunidade surgiu!’”. Ele acrescenta ainda que se deve e respeitar o direito de cada aluno. Nascimento também observa que, no caso específico da síndrome de Down, há, muitas vezes, um olhar equivocado. “Pessoas que não têm síndrome de Down também têm suas dificuldades no ambiente escolar, às vezes até maiores, mas ‘passa batido’, a gente olha como algo da natureza do processo educativo”, adverte.
A educadora Priscila Augusta Lima concorda com Nascimento em relação à mudança de visão. Ela ressalta que é necessário investir na formação geral do professor, a fim de que ele tenha abertura para pensar em novos métodos de aprendizagem. “Se o professor conseguir lidar com o outro, que é diferente, por conta própria ele já começa a desenvolver. Ele não fica preso a uma modalidade, a uma deficiência, e consegue pensar em ampliar esses métodos para todos”, assegura.
Iêdes Braga ressalta que o modelo ideal de escola inclusiva é aquele que conta com o AEE e a garantia de recursos humano e material que atendam à necessidade dos estudantes.
A escola que não possui o AEE deve buscar orientação nos serviços de apoio existentes na comunidade, fortalecer a equipe pedagógica e estreitar as relações com a família. “Aos professores, deve ser assegurado espaço de escuta, em que as trocas pedagógicas ocorram a fim de favorecer a maior aprendizagem possível dos estudantes. Aos alunos, deve ser assegurado o direito de frequentar o AEE mais próximo de sua escola ou residência”, alerta.
Fonte:
ANDI
Veículo: Revista Profissão Mestre
Acesse: http://www.andi.org.br/clipping/inclusao-sim
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Insegurança, despreparo, desinformação.
Esses são alguns dos problemas enfrentados por professores de todo o Brasil quando o assunto é inclusão escolar.
“Num ano, você recebe um aluno com síndrome de Down e estuda tudo sobre o assunto para ajudar aquele aluno. No ano seguinte, não é mais Down, é paralisia cerebral. E aí, como é que faz? Você estuda tudo de novo”.
Essa declaração é de um professor de rede municipal destacada na pesquisa Conselho de Classe, promovida pela Fundação Lemann com apoio do Instituto Paulo Montenegro, do Ibope.
Realizada no segundo semestre de 2014, a pesquisa teve a participação de mil professores do ensino fundamental (I e II) da rede pública.
Entre os fatores apontados pelos entrevistados como aqueles que precisam ser enfrentados com maior urgência, a falta de condições adequadas para a inclusão de alunos com deficiência foi apontada por 20% (entre os três itens mais urgentes) e 7% como o mais urgente.
Por outro lado, "o professor deve ser agente da educação inclusiva e de sustentabilidade desse processo", afirma a psicóloga Erenice Soares de Carvalho, professora colaboradora do programa de pós-graduação em Psicologia da Universidade Católica de Brasília (UCB) e consultora da Secretaria de Estado da Educação do Distrito Federal nas áreas de educação especial e inclusão escolar. “E não apenas na comunidade escolar, mas na sociedade”, completa Erenice.
A especialista enfatiza que a comunidade escolar não dispõe ainda de culturas, políticas e práticas pedagógicas voltadas à diversidade dos alunos e de seus direitos igualitários à educação, aprendizagem e participação. “Desse modo, as diferentes necessidades educacionais se diluem no grande contingente de alunos, de modo que os apoios e as particularidades de alguns estudantes, suas demandas específicas, não são visíveis e atendidos”, lamenta. Outro aspecto destacado por Erenice nesse contexto é a oferta de recursos de acessibilidade física, atitudinal, de informação e comunicação, entre outros, que precisam ser disponibilizados aos estudantes que necessitam. “A inclusão escolar impõe o paradigma segundo o qual cabe à escola adaptar-se para dar conta do aluno, e não o contrário (o aluno dar conta da escola). Desse modo, o conhecimento a respeito das necessidades específicas dos estudantes e a oferta de um currículo acessível são indispensáveis”, ressalta. E completa: “A mediação docente é também essencial nos processos de aprendizagem dos conteúdos curriculares e nas relações sociais na escola, em particular para romper as barreiras do preconceito e da discriminação entre membros da comunidade escolar”.
Para a educadora Priscila Augusta Lima, professora aposentada da Faculdade de Educação da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e autora da obra Educação inclusiva: igualdade social (Editora Avercamp), o desafio do professor e da escola é permanente quando se trata de inclusão. “Mas desafio não pode ser visto como algo negativo, mas sim como fator de crescimento”, frisa. “Isso não quer dizer que é fácil”, completa. Priscila acredita que a inclusão, além de não ser fácil, é desafiadora, principalmente para os professores. “O maior desafio para a escola é entender as mudanças do perfil do aluno (com e sem deficiência) e, com base nisso, repensar suas práticas, reavaliar-se para se modificar, senão ela fica estática”, alerta.
Priscila defende a capacitação docente na área da inclusão durante a própria graduação ou licenciatura e considera esse período como um “pré-natal”. “Da mesma maneira que o pré-natal para as gestantes, a capacitação em inclusão prepara o professor para lidar com o aluno com deficiência. E, como ocorre com a gestante, quando o bebê nasce, é tudo diferente. Mas é necessário que ela tenha esse conhecimento”, orienta. Mesmo assim, é preciso ter uma capacitação periódica ou complementar no caso daqueles que tiveram lacunas na formação inicial.
Romper paradigmas
Romper com os paradigmas cristalizados baseados em concepções de incapacidade e impossibilidade das pessoas com deficiências é o maior desafio, tanto para a escola quanto para os professores, na visão de Iêdes Soares Braga, diretora de Educação Especial da Secretaria de Estado da Educação, Esporte e Lazer do Distrito Federal. “Este é o primeiro passo – e talvez o mais difícil –, porque somos de uma geração que se desenvolveu distante das pessoas com deficiência, pois estas eram privadas da convivência social. Assim, nos faltou a oportunidade de experienciar essa rica possibilidade, transformando grande parte de nós em pessoas cuja crença acerca das pessoas com deficiência recai sobre fragilidades, e não sobre possibilidades”, explica. Assim, rompido esse desafio, Iêdes acredita que os demais se tornam pormenorizados. “No entanto, os sistemas educacionais devem prever e prover as instituições de ensino com recursos humanos e materiais que promovam a inclusão”, afirma.
Para Iêdes, a educação inclusiva consiste em um modelo de educação que considera e valoriza toda a diversidade presente na escola e prevê a transformação das escolas em espaços em que todos os saberes e formas de aprendizagem são compreendidos como propulsores de desenvolvimento humano.
A diretora ainda observa que a capacitação é necessária, mas não deve ser compreendida como condição primeira, e pode ser realizada concomitantemente com o atendimento ao aluno. “As barreiras físicas e atitudinais impostas pela sociedade ao longo dos anos estão sendo transpostas cada dia mais rápido pelos estudantes com deficiência e, se a escola não abre as portas, eles escalam o muro”, enfatiza.
Atualmente, 8,2 mil alunos com deficiência são atendidos pelas escolas da rede estadual de ensino do Distrito Federal.
Educação para todos
O pedagogo Daniel Nascimento, coordenador de processos da Fundação Síndrome de Down, de Campinas (SP), não acredita que a questão pedagógica e a capacitação docente específica sejam dificuldades para a inclusão. “Uma proposta de fato inclusiva consiste no que deve ser a educação de qualidade para todos, ou seja, um trabalho que olha para todas as crianças”, enfatiza. Segundo ele, a educação pela qual se trabalha na fundação é aquela em que cada sujeito, com ou sem deficiência, é entendido como singular, com capacidades, habilidades e limitações. “O trabalho em sala regular [de ensino] é aquele que olha cada aluno em sua individualidade, por isso [o trabalho com o aluno com deficiência] não deveria ser novidade para o professor”, adverte.
O pedagogo lembra ainda que as questões que dizem respeito à deficiência do aluno devem ser foco do atendimento educacional especializado (AEE), conforme preconiza a Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva. A fundação disponibiliza o AEE às escolas da rede municipal de Campinas, por meio de um convênio com a prefeitura. Além disso, atende a outras crianças matriculadas em escolas de ensino regular. “É possível observar o nível de desenvoltura e de autonomia de uma pessoa [com síndrome de Down] que passou a vida inteira em uma escola regular”, atesta.
Para o professor que está recebendo alunos com deficiência, Nascimento recomenda, primeiramente, uma mudança de visão. “Não é fácil para um professor, de repente, ver-se mobilizado a ter que mudar sua maneira de trabalho. Porque a inclusão implica em mudar a maneira de trabalho dele e a busca de estratégias para atingir a todos os alunos”, diz. E sugere: “O professor pode mudar de visão e pensar: ‘que boa oportunidade surgiu!’”. Ele acrescenta ainda que se deve e respeitar o direito de cada aluno. Nascimento também observa que, no caso específico da síndrome de Down, há, muitas vezes, um olhar equivocado. “Pessoas que não têm síndrome de Down também têm suas dificuldades no ambiente escolar, às vezes até maiores, mas ‘passa batido’, a gente olha como algo da natureza do processo educativo”, adverte.
A educadora Priscila Augusta Lima concorda com Nascimento em relação à mudança de visão. Ela ressalta que é necessário investir na formação geral do professor, a fim de que ele tenha abertura para pensar em novos métodos de aprendizagem. “Se o professor conseguir lidar com o outro, que é diferente, por conta própria ele já começa a desenvolver. Ele não fica preso a uma modalidade, a uma deficiência, e consegue pensar em ampliar esses métodos para todos”, assegura.
Iêdes Braga ressalta que o modelo ideal de escola inclusiva é aquele que conta com o AEE e a garantia de recursos humano e material que atendam à necessidade dos estudantes.
A escola que não possui o AEE deve buscar orientação nos serviços de apoio existentes na comunidade, fortalecer a equipe pedagógica e estreitar as relações com a família. “Aos professores, deve ser assegurado espaço de escuta, em que as trocas pedagógicas ocorram a fim de favorecer a maior aprendizagem possível dos estudantes. Aos alunos, deve ser assegurado o direito de frequentar o AEE mais próximo de sua escola ou residência”, alerta.
Fonte:
ANDI
Veículo: Revista Profissão Mestre
Acesse: http://www.andi.org.br/clipping/inclusao-sim