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02/10/2017 - O Estado deve tratar adolescentes como sujeitos em formação, diz jurista
30/09/2017
A redução da maioridade penal de 18 para 16 anos voltou a ser destaque no debate público por conta de quatros propostas de emenda constitucional (PECs) que tramitam no Senado.
A votação das matérias foi adiada esta semana na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Casa, mas o assunto deve ser retomado no próximo mês. O tema mobiliza não só parlamentares e movimentos sociais, mas também atores do sistema de Justiça.
Para o advogado Dimitri Sales, membro do Conselho Estadual de Direitos Humanos de São Paulo e doutor em Direito Constitucional, a medida desconsidera o nível de desenvolvimento dos adolescentes. Em entrevista ao Brasil de Fato, ele critica, entre outras coisas, o discurso de que o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) favorece a impunidade.
Confira a seguir os principais trechos da entrevista:
Brasil de Fato: As pessoas que defendem a redução sustentam a ideia de impunidade quando um adolescente comete ato infracional, mas o que diz o ECA a respeito das medidas que devem ser aplicadas pelo Estado?
Dimitri Sales: A primeira compreensão é distinguir a criança e o adolescente da pessoa que já completou a maioridade penal, que já passou dos 18 anos. Então, nós não podemos pensar que se tratem tais sujeitos em iguais condições de discernimento ou de responsabilização pelos seus atos. E o pressuposto é: temos que entender a criança e o adolescente como sujeitos em fase de formação do seu comportamento, do seu caráter, e por isso a responsabilidade do Estado é no sentido de contribuir para a melhor formação desses sujeitos.
O ECA prevê ações que possam proteger crianças e adolescentes e responsabiliza esses indivíduos pelos seus atos, de modo que eles possam, futuramente, ter uma compreensão devida sobre o que cometem. Então, não se trata de impunidade. São medidas que não levam, por exemplo, ao encarceramento propriamente dito. Eles são levados às unidades onde é feita uma ressocialização. São essas as medidas previstas no ECA, medidas que possam formar ou contribuir para uma melhor formação desses indivíduos.
Em que pé está o Brasil no que se refere às regras aplicadas por outros países democráticos? É possível fazer uma comparação?
O Brasil hoje se enquadra naquilo que a gente entende como o melhor modelo, aquele que compreende criança e adolescente como sujeitos em formação e, portanto, em vez de apenar condutas que eventualmente violam a lei, compreende-se a necessidade de responsabilizá-los sem tratá-los como sendo criminosos.
É o modelo de manter a idade penal aos 18 anos e, até os 18, a pessoa ser tratada como um sujeito em formação, cuja responsabilidade pelos seus atos se compartilha com o Estado.
Há outros países em que houve o processo da redução da maioridade penal, e isso não foi suficiente pra enfrentar a criminalidade, até porque ela está muito mais ligada a fatores sociais do que a fatores subjetivos de crianças e adolescentes.
Em países democráticos, o que nós entendemos é que a preservação dos direitos humanos é um fator essencial pra que se possa garantir a formação dos sujeitos.
Qual a diferença entre o cumprimento de medidas socioeducativas e o cumprimento de pena?
A ideia é que as medidas socioeducativas sejam voltadas pra compreender as vicissitudes da idade, as necessidades dos adolescentes e possibilitar uma formação integral no caminho das atuações cidadãs e da não prática de crimes.
Quando a gente adentra o universo da pena, compreende-se que o sujeito que comete um determinado crime tem total discernimento sobre as suas ações. Já se tem a ideia do que é o correto, do que é o errado, do que é o justo e é o injusto. Aí são medidas muito mais graves, coloca-se em pleno encarceramento, unidades penitenciárias superlotadas…
Há uma diferenciação da filosofia do que o Estado entende o que deve ser a medida socioeducativa, voltada pra uma completa educação, uma formação integral desse sujeito, e a pena, quando o sujeito já está plenamente formado e, portanto tem discernimento sobre suas condutas e deve ser apenado.
A compreensão é: crianças e adolescentes ainda são sujeitos em formação. O adulto, pleno das suas responsabilidades, está suficientemente capaz de ser punido pelas suas condutas. A diferença central é que as penas são muito mais gravosas, mais radicais, e as medidas socioeducativas se voltam ainda pra um processo de reeducação desse sujeito, pra que ele posa se tornar um cidadão integrado na sociedade de forma plena.
Há uma leitura de que a eventual aprovação das PECs teria impactos no sistema carcerário, com o aumento do número de prisões de jovens negros e de baixa renda, que são os perfis que dominam tais estatísticas. Qual seria o papel da Justiça no que se refere ao rompimento desse ciclo de exclusão?
Primeiro, é preciso fazer com que o Direito dialogue com outras áreas. É preciso fazer com que o Poder Judiciário compreenda, por exemplo, questões sociológicas. É preciso que ele saia do seu castelo e perceba que a realidade é muito mais dura e cruel do que podem supor as nossas leis. Isso requer um trabalho muito difícil, porque é a mudança de uma cultura, mas é indispensável que, ao atuar, o Poder Judiciário consiga fazer diálogos ou pelo menos interpretações que levem em consideração as vulnerabilidades históricas das populações.
Um outro diálogo se dá com o Poder Executivo no processo de formação das polícias, tanto militares quanto civis, pra que se possa adotar uma adequada atuação que valorize e respeite os direitos humanos. [É preciso] focar em direitos humanos, focar numa interpretação da lei que possa permitir que ela seja aplicada numa perspectiva de transformação da realidade da sociedade.
Fonte:
Brasil de Fato - Brasília (DF)
Cristiane Sampaio
Acesse aqui
Em entrevista ao Brasil de Fato, Dimitri Sales afirma que o Direito precisa dialogar com outras áreas
Dimitri Sales, doutor em Direito Constitucional que afirma que ECA já prevê a responsabilização de adolescentes em conflito com a lei
A votação das matérias foi adiada esta semana na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Casa, mas o assunto deve ser retomado no próximo mês. O tema mobiliza não só parlamentares e movimentos sociais, mas também atores do sistema de Justiça.
Para o advogado Dimitri Sales, membro do Conselho Estadual de Direitos Humanos de São Paulo e doutor em Direito Constitucional, a medida desconsidera o nível de desenvolvimento dos adolescentes. Em entrevista ao Brasil de Fato, ele critica, entre outras coisas, o discurso de que o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) favorece a impunidade.
Confira a seguir os principais trechos da entrevista:
Brasil de Fato: As pessoas que defendem a redução sustentam a ideia de impunidade quando um adolescente comete ato infracional, mas o que diz o ECA a respeito das medidas que devem ser aplicadas pelo Estado?
Dimitri Sales: A primeira compreensão é distinguir a criança e o adolescente da pessoa que já completou a maioridade penal, que já passou dos 18 anos. Então, nós não podemos pensar que se tratem tais sujeitos em iguais condições de discernimento ou de responsabilização pelos seus atos. E o pressuposto é: temos que entender a criança e o adolescente como sujeitos em fase de formação do seu comportamento, do seu caráter, e por isso a responsabilidade do Estado é no sentido de contribuir para a melhor formação desses sujeitos.
O ECA prevê ações que possam proteger crianças e adolescentes e responsabiliza esses indivíduos pelos seus atos, de modo que eles possam, futuramente, ter uma compreensão devida sobre o que cometem. Então, não se trata de impunidade. São medidas que não levam, por exemplo, ao encarceramento propriamente dito. Eles são levados às unidades onde é feita uma ressocialização. São essas as medidas previstas no ECA, medidas que possam formar ou contribuir para uma melhor formação desses indivíduos.
Em que pé está o Brasil no que se refere às regras aplicadas por outros países democráticos? É possível fazer uma comparação?
O Brasil hoje se enquadra naquilo que a gente entende como o melhor modelo, aquele que compreende criança e adolescente como sujeitos em formação e, portanto, em vez de apenar condutas que eventualmente violam a lei, compreende-se a necessidade de responsabilizá-los sem tratá-los como sendo criminosos.
É o modelo de manter a idade penal aos 18 anos e, até os 18, a pessoa ser tratada como um sujeito em formação, cuja responsabilidade pelos seus atos se compartilha com o Estado.
Há outros países em que houve o processo da redução da maioridade penal, e isso não foi suficiente pra enfrentar a criminalidade, até porque ela está muito mais ligada a fatores sociais do que a fatores subjetivos de crianças e adolescentes.
Em países democráticos, o que nós entendemos é que a preservação dos direitos humanos é um fator essencial pra que se possa garantir a formação dos sujeitos.
Qual a diferença entre o cumprimento de medidas socioeducativas e o cumprimento de pena?
A ideia é que as medidas socioeducativas sejam voltadas pra compreender as vicissitudes da idade, as necessidades dos adolescentes e possibilitar uma formação integral no caminho das atuações cidadãs e da não prática de crimes.
Quando a gente adentra o universo da pena, compreende-se que o sujeito que comete um determinado crime tem total discernimento sobre as suas ações. Já se tem a ideia do que é o correto, do que é o errado, do que é o justo e é o injusto. Aí são medidas muito mais graves, coloca-se em pleno encarceramento, unidades penitenciárias superlotadas…
Há uma diferenciação da filosofia do que o Estado entende o que deve ser a medida socioeducativa, voltada pra uma completa educação, uma formação integral desse sujeito, e a pena, quando o sujeito já está plenamente formado e, portanto tem discernimento sobre suas condutas e deve ser apenado.
A compreensão é: crianças e adolescentes ainda são sujeitos em formação. O adulto, pleno das suas responsabilidades, está suficientemente capaz de ser punido pelas suas condutas. A diferença central é que as penas são muito mais gravosas, mais radicais, e as medidas socioeducativas se voltam ainda pra um processo de reeducação desse sujeito, pra que ele posa se tornar um cidadão integrado na sociedade de forma plena.
Há uma leitura de que a eventual aprovação das PECs teria impactos no sistema carcerário, com o aumento do número de prisões de jovens negros e de baixa renda, que são os perfis que dominam tais estatísticas. Qual seria o papel da Justiça no que se refere ao rompimento desse ciclo de exclusão?
Primeiro, é preciso fazer com que o Direito dialogue com outras áreas. É preciso fazer com que o Poder Judiciário compreenda, por exemplo, questões sociológicas. É preciso que ele saia do seu castelo e perceba que a realidade é muito mais dura e cruel do que podem supor as nossas leis. Isso requer um trabalho muito difícil, porque é a mudança de uma cultura, mas é indispensável que, ao atuar, o Poder Judiciário consiga fazer diálogos ou pelo menos interpretações que levem em consideração as vulnerabilidades históricas das populações.
Um outro diálogo se dá com o Poder Executivo no processo de formação das polícias, tanto militares quanto civis, pra que se possa adotar uma adequada atuação que valorize e respeite os direitos humanos. [É preciso] focar em direitos humanos, focar numa interpretação da lei que possa permitir que ela seja aplicada numa perspectiva de transformação da realidade da sociedade.
Fonte:
Brasil de Fato - Brasília (DF)
Cristiane Sampaio
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