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02/08/2017 - Na Fundação Casa, os agentes torturam e os outros se omitem
01/08/2017
(*) O anonimato do depoente, bem como o sigilo sobre a unidade a que pertence, foram mantidos para evitar represálias.
“Eu trabalho na Fundação Casa. Sou detestado lá dentro e já sofri ameaças. Eu queria falar hoje sobre a prática da omissão. Porque os torturadores nós sabemos quem são. Mas tem muito profissional conivente, omisso com isso. Então, no meu entendimento, essa tortura só se mantém em razão da prática da omissão e da conivência de outros profissionais.
Eu defendo que a comissão de direitos humanos do CRP (Conselho Regional de Psicologia), por exemplo, tome medidas mais enérgicas e mais de enfrentamento com relação a esses profissionais que estão se omitindo e permitindo que isso continue. Se no meu centro eu consigo, de alguma forma, frear e dificultar a vida desses torturadores, eu tenho um caminho para mudar a mentalidade e ganho força para me posicionar. Eu entendo que os outros profissionais também podem fazer.
Existe um fato que simplesmente não tem discussão: há tortura. Ponto. Nós que estamos diariamente nas unidades sabemos quem são os torturadores: são os agentes de apoio socioeducativos. Mas também há os outros profissionais que estão permitindo que isso esteja acontecendo, então eles também têm que ser chamados no rol dos torturadores, dos omissos. Se não estão atuando diretamente com o cassetete, com o alicate, com a porta, com soco na cara, com chutes, estão sendo cúmplices do crime por meio da omissão. Veja bem, eles assistem a tudo, os adolescentes reclamam e não tem providência tomada. Eu queria começar a pensar sobre isso, a omissão dos demais profissionais.
Quando você abre esse tema em alguma comissão, em reunião do sindicato, por exemplo, é tudo desviado, é tudo deixado para depois. A gente começa a falar de tortura, meio que todo mundo sai correndo, tipo gangorra. É um tabu. Muita gente não aguenta o ambiente e começa a se ausentar sistematicamente. Muitos funcionários faltam bastante com atestados médicos. E aí o problema é que os buracos atrapalham todo o processo. Essa constante acaba deixando os centros com poucos para tocar o serviço.
O tal livro preto é um livro que os coordenadores dos agentes de apoio têm que registrar todos os dias. Ali registram a rotina, quantos funcionários presentes, quantos faltaram, os motivos e as ocorrências. E aí é que está o detalhe: só são registradas as ocorrências da forma como querem fazer parecer que ocorreu. Porque está no controle deles, é óbvio. Esse livro é xerocado quando acontece algo. A corregedoria determina que enviem cópias do livro. Então eles registram o que interessa fazer crer que aconteceu e não necessariamente o que aconteceu. Por exemplo, um tipo de registro muito comum é: ‘o adolescente partiu pra cima do funcionário e teve que ser contido’. Entende o que estou te dizendo? Na verdade, muitas vezes o adolescente reage a provocações e acaba apanhando. Mas no livro preto, o registro é a versão do funcionário. Não há espaço para o contraditório, ninguém questiona.
Muitas técnicas (nome dado aos profissionais do setor psicossocial) sabem das violências, mas não denunciam com medo das represálias que sofrem, pois essa cultura é muito forte lá dentro. São levadas a crer que, caso precisem de ajuda algum dia, não terão. Ou mesmo a pressão dos gestores que passam a perseguir quem denuncia os colegas de trabalho. Os gestores pressionam os servidores para que não denunciem. Muitas vezes o profissional é desmentido com argumentos de que ele não deve acreditar no adolescente, pois não viu diretamente o que aconteceu. É questionado até nisso. Quando há situação de conflitos, somente os funcionários “do pátio” ficam. Os demais não podem entrar. Mas, se por acaso acontecer conflito com professores e outros funcionários dentro do espaço, existe um acordo que todo mundo já sabe que não é para contar nada.
É uma cultura mesmo. Todos sabem que não devem mexer. É a ideia de que a mediação de conflitos é assunto que diz respeito somente ao pessoal da segurança.
Aquela ‘recepção’ que vocês mencionaram na matéria é verdade. Os adolescentes são espancados ou ameaçados quando chegam nos centros. A recepção é prática mais difundida nos centros iniciais, como no Brás. Lá o ‘couro come’, como dizem os adolescentes. Tem que andar com as mãos para trás do corpo e de cabeça baixa. Se conversar, apanha e se contar para a mãe em dia de visita, apanha mais durante a semana. Quando chegam juízes, promotores, defensores, os adolescentes são obrigados a mentir. Mentem que caíram se tiverem com marcas pelo corpo, por exemplo, de tanto medo. O que acabou acontecendo é que agora as mães têm medo de denunciar também. Acabam deixando para lá para preservar o filho de apanhar mais.
Centro de internação da Fundação Casa que diz não ter violência é porque está muito bem fechado com funcionários, todos articulados para o silêncio. Eu sei, por exemplo, que o Vila Conceição e o Vila Maria, entre outros, têm violência, mas como disse, essas não são noticiadas. A das femininas também é muito invisibilizada.
Quando um funcionário espancador começa a ter problemas com denúncias, ele acaba indo para outros centros ou Corregedoria e juiz os afastam. Eles passam a prestar serviços administrativos, ou seja, continuam recebendo a mesma coisa sem ter contato com adolescentes. Tem mais esse aspecto, porque, nesse caso, é dinheiro público que vai para o ralo. O que quero dizer é que muitos funcionários readaptados estão recebendo sem prestar serviços de interesse para a sócio educação, que é, em primeira instância (ou deveria ser, pelo menos), o objetivo do sistema.
Não está sendo fácil. Eu tenho filhos. Fico fazendo o exercício de pensar ‘e se fossem eles?’. Eu dormi e acordei indignado. Não dá mais para fingir que não está acontecendo. Isso tem que acabar.”
Outro lado
Atualizado às 19h47, do dia 01/08 –
A Ponte Jornalismo enviou por e-mail as seguintes perguntas para a assessoria de imprensa da Fundação Casa:
1. O profissional que nos deu o depoimento diz assim: “Existe um fato que simplesmente não tem discussão: há tortura. Ponto. Nós que estamos diariamente nas unidades sabemos quem são os torturadores: são os agentes de apoio socioeducativos. Mas também há os outros profissionais que estão permitindo que isso esteja acontecendo, então eles também têm que ser chamados no rol dos torturadores, dos omissos”. De fato existe uma cultura de silêncio em algumas unidades com relação a agressões que podem, por ventura, acontecer? Por que isso ocorre?
2. O profissional afirma que, especialmente no Brás, que seria uma unidade provisória, existe a prática da “recepção”, que é uma “boas vindas” às avessas, onde os moleques apanham para “saber como é que as coisas funcionam”, segundo relato do funcionário. Isso acontece? Há formas de coibir? Quais?
3. Fala também do conteúdo do livro preto, onde são registradas todas as ocorrências da unidade. Ele diz que, quado acontece alguma ocorrência, a corregedoria pede para xerocar o livro. Ocorre que esse livro que seria – ou deveria ser – um documento oficial, só tem uma versão. Segundo o funcionário, a versão é a do agressor. É muito comum, segundo o funcionário, quando acontece algo entre agentes e meninos, o agente ir lá e escrever que reagiu a uma primeira agressão do jovem, que acaba não tendo sua versão contemplada.
4. Um outro tema são as ausências. Gostaria de saber qual a incidência de faltas no quadro dos funcionários? E afastamento por doença? Quais os principais motivos? Quantos são? O que fazer para repor?
5. Ele diz em certo momento: “Quando um funcionário espancador começa a ter problemas com denúncias, ele acaba indo para outros centros ou a corregedoria e juiz os afasta. Eles passam a prestar serviços administrativos, ou seja, continuam recebendo a mesma coisa sem ter contato com adolescentes. Tem mais esse aspecto, porque nesse caso, é dinheiro público que vai para o ralo”. Por que isso acontece? O cargo na socioeducação (ou na ponta) tem salário maior que o administrativo? Depois de quanto tempo um funcionário afastado pode ser reconduzido ao posto? Ele pode voltar a mesma unidade? Qual o procedimento?
6. Voltou a afirmar que a cultura de silêncio e da intimidação é que impera na Fundação. Muitas pessoas não têm coragem de denunciar por temer represálias. O funcionário disse que ele mesmo já foi ameaçado porque teria falado demais. As mães dos internos também preferem não denunciar, porque os agentes ficam sabendo quem é o filho e quando a visita vai embora é agressão na certa. Isso ocorre mesmo? O que fazer para combater?
A Fundação Casa enviou a seguinte nota:
Sobre a denúncia de supostos maus-tratos, a Fundação CASA ressalta que a instituição respeita os direitos humanos dos adolescentes e dos funcionários e não tolera qualquer tipo de prática de agressões ou tortura em seus centros socioeducativos em todo o Estado de São Paulo. Quando são constatados eventuais abusos, os servidores são investigados e punidos, com demissão por justa causa, suspensão ou advertência.
Sempre agindo com transparência e sigilo total da fonte, a Fundação conta com uma Ouvidoria aberta à sociedade, aos familiares e aos adolescentes atendidos. Tem, também, uma Corregedoria Geral, com poder e independência para apurar os casos em que há suspeitas de má-conduta de servidores. Importante lembrar que, em todos os casos de suspeitas de maus-tratos, o Ministério Público e o Poder Judiciário são informados das apurações.
Desde 2010, de acordo com a Corregedoria Geral da Fundação CASA, 397 servidores foram demitidos por má-conduta, após serem alvo de processos administrativos, 73 desses respondiam pela prática de maus-tratos. Na Fundação CASA, não há valorização e, muito menos, promoção de funcionários que se excedem no exercício de sua função. Hoje a Fundação CASA tem 12.502 servidores, 611 afastados por diversos problemas de saúde.
Vale destacar que, além do cuidado para que os direitos dos jovens sejam respeitados, nos últimos 12 anos, a Fundação CASA investiu em mudanças estruturais na política de atendimento ao adolescente. A título de exemplo, com a descentralização, 74 novos centros socioeducativos e com capacidade para no máximo 64 jovens foram construídos. Por conta das reformulações levadas a cabo, a taxa de reincidência na medida socioeducativa de internação caiu drasticamente. O índice que era de 29% em 2006, despencou para 19%, em 2016.
Desde o início das mudanças, a Instituição também fez uma reformulação pedagógica voltada para melhorar o atendimento socioeducativo ofertado aos adolescentes. A proposta efetivamente é somar os melhores esforços dos diferentes setores da sociedade para atingir o melhor modelo de retorno dos adolescentes à sociedade.
Tudo isso é fruto de uma transformação de filosofia de trabalho. Hoje, os jovens na Fundação não são números, mas pessoas que passam por um programa individual de atendimento (PIA), conforme determina o Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativa (SINASE) e o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA).
Cumprindo integralmente o que está previsto no ECA e no Sinase, das 6h às 21h, os adolescentes têm uma agenda multiprofissional que inclui atividades de escolarização formal, esporte, cultura, educação profissional, além do atendimento de psicólogos e assistentes sociais.
Logo quando chegam, os jovens passam por um diagnóstico polidimensional e são trabalhados de acordo com um plano individual de atendimento. O PIA permite que as reais demandas que o jovem e sua família têm nas áreas social, de saúde e pedagógica sejam focadas especificamente.
Estes avanços também só foram possíveis graças a capacitação dos servidores. Buscando dar efetividade às diretrizes estabelecidas pelo ECA e à política de atendimento preconizada pelo Sinase, a Fundação Casa tem focado o investimento na formação de funcionários, orientando-se pelo atendimento individualizado aos jovens, respeito aos direitos humanos e pela abertura à sociedade.
Criada em 2006, a Escola de Formação e Capacitação Profissional da CASA tem como principal atribuição atender à demanda de capacitação, desenvolvimento, extensão e aperfeiçoamento profissional dos mais de 12 mil servidores e dos seus diversos parceiros, por meio dos programas de Formação Inicial, Continuada e Aperfeiçoamento de Gestores, nas modalidades presencial e a distância. No período de 2006 a junho de 2017 foram preenchidas 56206 vagas oferecidas nas ações formativas dos diferentes programas.
Ainda vale lembrar que, após inspeções nos centros socioeducativos da CASA, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) afirmou que o Estado de São Paulo tem a melhor política de atendimento a jovens em conflito com a lei. Dado este contexto, pode-se dizer que a Fundação CASA e o Governo de São Paulo são referência nacional no atendimento aos adolescentes em cumprimento de medida socioeducativa.
Fonte:
PONTE Direitos Humanos/Justiça/Segurança Pública
Por Depoimento a Maria Teresa Cruz
Acesse aqui
Funcionário da Fundação Casa revela como a cultura do silêncio fortalece as práticas de tortura nas unidades
(*) O anonimato do depoente, bem como o sigilo sobre a unidade a que pertence, foram mantidos para evitar represálias.
“Eu trabalho na Fundação Casa. Sou detestado lá dentro e já sofri ameaças. Eu queria falar hoje sobre a prática da omissão. Porque os torturadores nós sabemos quem são. Mas tem muito profissional conivente, omisso com isso. Então, no meu entendimento, essa tortura só se mantém em razão da prática da omissão e da conivência de outros profissionais.
Eu defendo que a comissão de direitos humanos do CRP (Conselho Regional de Psicologia), por exemplo, tome medidas mais enérgicas e mais de enfrentamento com relação a esses profissionais que estão se omitindo e permitindo que isso continue. Se no meu centro eu consigo, de alguma forma, frear e dificultar a vida desses torturadores, eu tenho um caminho para mudar a mentalidade e ganho força para me posicionar. Eu entendo que os outros profissionais também podem fazer.
Existe um fato que simplesmente não tem discussão: há tortura. Ponto. Nós que estamos diariamente nas unidades sabemos quem são os torturadores: são os agentes de apoio socioeducativos. Mas também há os outros profissionais que estão permitindo que isso esteja acontecendo, então eles também têm que ser chamados no rol dos torturadores, dos omissos. Se não estão atuando diretamente com o cassetete, com o alicate, com a porta, com soco na cara, com chutes, estão sendo cúmplices do crime por meio da omissão. Veja bem, eles assistem a tudo, os adolescentes reclamam e não tem providência tomada. Eu queria começar a pensar sobre isso, a omissão dos demais profissionais.
Quando você abre esse tema em alguma comissão, em reunião do sindicato, por exemplo, é tudo desviado, é tudo deixado para depois. A gente começa a falar de tortura, meio que todo mundo sai correndo, tipo gangorra. É um tabu. Muita gente não aguenta o ambiente e começa a se ausentar sistematicamente. Muitos funcionários faltam bastante com atestados médicos. E aí o problema é que os buracos atrapalham todo o processo. Essa constante acaba deixando os centros com poucos para tocar o serviço.
O tal livro preto é um livro que os coordenadores dos agentes de apoio têm que registrar todos os dias. Ali registram a rotina, quantos funcionários presentes, quantos faltaram, os motivos e as ocorrências. E aí é que está o detalhe: só são registradas as ocorrências da forma como querem fazer parecer que ocorreu. Porque está no controle deles, é óbvio. Esse livro é xerocado quando acontece algo. A corregedoria determina que enviem cópias do livro. Então eles registram o que interessa fazer crer que aconteceu e não necessariamente o que aconteceu. Por exemplo, um tipo de registro muito comum é: ‘o adolescente partiu pra cima do funcionário e teve que ser contido’. Entende o que estou te dizendo? Na verdade, muitas vezes o adolescente reage a provocações e acaba apanhando. Mas no livro preto, o registro é a versão do funcionário. Não há espaço para o contraditório, ninguém questiona.
Muitas técnicas (nome dado aos profissionais do setor psicossocial) sabem das violências, mas não denunciam com medo das represálias que sofrem, pois essa cultura é muito forte lá dentro. São levadas a crer que, caso precisem de ajuda algum dia, não terão. Ou mesmo a pressão dos gestores que passam a perseguir quem denuncia os colegas de trabalho. Os gestores pressionam os servidores para que não denunciem. Muitas vezes o profissional é desmentido com argumentos de que ele não deve acreditar no adolescente, pois não viu diretamente o que aconteceu. É questionado até nisso. Quando há situação de conflitos, somente os funcionários “do pátio” ficam. Os demais não podem entrar. Mas, se por acaso acontecer conflito com professores e outros funcionários dentro do espaço, existe um acordo que todo mundo já sabe que não é para contar nada.
É uma cultura mesmo. Todos sabem que não devem mexer. É a ideia de que a mediação de conflitos é assunto que diz respeito somente ao pessoal da segurança.
Aquela ‘recepção’ que vocês mencionaram na matéria é verdade. Os adolescentes são espancados ou ameaçados quando chegam nos centros. A recepção é prática mais difundida nos centros iniciais, como no Brás. Lá o ‘couro come’, como dizem os adolescentes. Tem que andar com as mãos para trás do corpo e de cabeça baixa. Se conversar, apanha e se contar para a mãe em dia de visita, apanha mais durante a semana. Quando chegam juízes, promotores, defensores, os adolescentes são obrigados a mentir. Mentem que caíram se tiverem com marcas pelo corpo, por exemplo, de tanto medo. O que acabou acontecendo é que agora as mães têm medo de denunciar também. Acabam deixando para lá para preservar o filho de apanhar mais.
Centro de internação da Fundação Casa que diz não ter violência é porque está muito bem fechado com funcionários, todos articulados para o silêncio. Eu sei, por exemplo, que o Vila Conceição e o Vila Maria, entre outros, têm violência, mas como disse, essas não são noticiadas. A das femininas também é muito invisibilizada.
Quando um funcionário espancador começa a ter problemas com denúncias, ele acaba indo para outros centros ou Corregedoria e juiz os afastam. Eles passam a prestar serviços administrativos, ou seja, continuam recebendo a mesma coisa sem ter contato com adolescentes. Tem mais esse aspecto, porque, nesse caso, é dinheiro público que vai para o ralo. O que quero dizer é que muitos funcionários readaptados estão recebendo sem prestar serviços de interesse para a sócio educação, que é, em primeira instância (ou deveria ser, pelo menos), o objetivo do sistema.
Não está sendo fácil. Eu tenho filhos. Fico fazendo o exercício de pensar ‘e se fossem eles?’. Eu dormi e acordei indignado. Não dá mais para fingir que não está acontecendo. Isso tem que acabar.”
Outro lado
Atualizado às 19h47, do dia 01/08 –
A Ponte Jornalismo enviou por e-mail as seguintes perguntas para a assessoria de imprensa da Fundação Casa:
1. O profissional que nos deu o depoimento diz assim: “Existe um fato que simplesmente não tem discussão: há tortura. Ponto. Nós que estamos diariamente nas unidades sabemos quem são os torturadores: são os agentes de apoio socioeducativos. Mas também há os outros profissionais que estão permitindo que isso esteja acontecendo, então eles também têm que ser chamados no rol dos torturadores, dos omissos”. De fato existe uma cultura de silêncio em algumas unidades com relação a agressões que podem, por ventura, acontecer? Por que isso ocorre?
2. O profissional afirma que, especialmente no Brás, que seria uma unidade provisória, existe a prática da “recepção”, que é uma “boas vindas” às avessas, onde os moleques apanham para “saber como é que as coisas funcionam”, segundo relato do funcionário. Isso acontece? Há formas de coibir? Quais?
3. Fala também do conteúdo do livro preto, onde são registradas todas as ocorrências da unidade. Ele diz que, quado acontece alguma ocorrência, a corregedoria pede para xerocar o livro. Ocorre que esse livro que seria – ou deveria ser – um documento oficial, só tem uma versão. Segundo o funcionário, a versão é a do agressor. É muito comum, segundo o funcionário, quando acontece algo entre agentes e meninos, o agente ir lá e escrever que reagiu a uma primeira agressão do jovem, que acaba não tendo sua versão contemplada.
4. Um outro tema são as ausências. Gostaria de saber qual a incidência de faltas no quadro dos funcionários? E afastamento por doença? Quais os principais motivos? Quantos são? O que fazer para repor?
5. Ele diz em certo momento: “Quando um funcionário espancador começa a ter problemas com denúncias, ele acaba indo para outros centros ou a corregedoria e juiz os afasta. Eles passam a prestar serviços administrativos, ou seja, continuam recebendo a mesma coisa sem ter contato com adolescentes. Tem mais esse aspecto, porque nesse caso, é dinheiro público que vai para o ralo”. Por que isso acontece? O cargo na socioeducação (ou na ponta) tem salário maior que o administrativo? Depois de quanto tempo um funcionário afastado pode ser reconduzido ao posto? Ele pode voltar a mesma unidade? Qual o procedimento?
6. Voltou a afirmar que a cultura de silêncio e da intimidação é que impera na Fundação. Muitas pessoas não têm coragem de denunciar por temer represálias. O funcionário disse que ele mesmo já foi ameaçado porque teria falado demais. As mães dos internos também preferem não denunciar, porque os agentes ficam sabendo quem é o filho e quando a visita vai embora é agressão na certa. Isso ocorre mesmo? O que fazer para combater?
A Fundação Casa enviou a seguinte nota:
Sobre a denúncia de supostos maus-tratos, a Fundação CASA ressalta que a instituição respeita os direitos humanos dos adolescentes e dos funcionários e não tolera qualquer tipo de prática de agressões ou tortura em seus centros socioeducativos em todo o Estado de São Paulo. Quando são constatados eventuais abusos, os servidores são investigados e punidos, com demissão por justa causa, suspensão ou advertência.
Sempre agindo com transparência e sigilo total da fonte, a Fundação conta com uma Ouvidoria aberta à sociedade, aos familiares e aos adolescentes atendidos. Tem, também, uma Corregedoria Geral, com poder e independência para apurar os casos em que há suspeitas de má-conduta de servidores. Importante lembrar que, em todos os casos de suspeitas de maus-tratos, o Ministério Público e o Poder Judiciário são informados das apurações.
Desde 2010, de acordo com a Corregedoria Geral da Fundação CASA, 397 servidores foram demitidos por má-conduta, após serem alvo de processos administrativos, 73 desses respondiam pela prática de maus-tratos. Na Fundação CASA, não há valorização e, muito menos, promoção de funcionários que se excedem no exercício de sua função. Hoje a Fundação CASA tem 12.502 servidores, 611 afastados por diversos problemas de saúde.
Vale destacar que, além do cuidado para que os direitos dos jovens sejam respeitados, nos últimos 12 anos, a Fundação CASA investiu em mudanças estruturais na política de atendimento ao adolescente. A título de exemplo, com a descentralização, 74 novos centros socioeducativos e com capacidade para no máximo 64 jovens foram construídos. Por conta das reformulações levadas a cabo, a taxa de reincidência na medida socioeducativa de internação caiu drasticamente. O índice que era de 29% em 2006, despencou para 19%, em 2016.
Desde o início das mudanças, a Instituição também fez uma reformulação pedagógica voltada para melhorar o atendimento socioeducativo ofertado aos adolescentes. A proposta efetivamente é somar os melhores esforços dos diferentes setores da sociedade para atingir o melhor modelo de retorno dos adolescentes à sociedade.
Tudo isso é fruto de uma transformação de filosofia de trabalho. Hoje, os jovens na Fundação não são números, mas pessoas que passam por um programa individual de atendimento (PIA), conforme determina o Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativa (SINASE) e o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA).
Cumprindo integralmente o que está previsto no ECA e no Sinase, das 6h às 21h, os adolescentes têm uma agenda multiprofissional que inclui atividades de escolarização formal, esporte, cultura, educação profissional, além do atendimento de psicólogos e assistentes sociais.
Logo quando chegam, os jovens passam por um diagnóstico polidimensional e são trabalhados de acordo com um plano individual de atendimento. O PIA permite que as reais demandas que o jovem e sua família têm nas áreas social, de saúde e pedagógica sejam focadas especificamente.
Estes avanços também só foram possíveis graças a capacitação dos servidores. Buscando dar efetividade às diretrizes estabelecidas pelo ECA e à política de atendimento preconizada pelo Sinase, a Fundação Casa tem focado o investimento na formação de funcionários, orientando-se pelo atendimento individualizado aos jovens, respeito aos direitos humanos e pela abertura à sociedade.
Criada em 2006, a Escola de Formação e Capacitação Profissional da CASA tem como principal atribuição atender à demanda de capacitação, desenvolvimento, extensão e aperfeiçoamento profissional dos mais de 12 mil servidores e dos seus diversos parceiros, por meio dos programas de Formação Inicial, Continuada e Aperfeiçoamento de Gestores, nas modalidades presencial e a distância. No período de 2006 a junho de 2017 foram preenchidas 56206 vagas oferecidas nas ações formativas dos diferentes programas.
Ainda vale lembrar que, após inspeções nos centros socioeducativos da CASA, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) afirmou que o Estado de São Paulo tem a melhor política de atendimento a jovens em conflito com a lei. Dado este contexto, pode-se dizer que a Fundação CASA e o Governo de São Paulo são referência nacional no atendimento aos adolescentes em cumprimento de medida socioeducativa.
Fonte:
PONTE Direitos Humanos/Justiça/Segurança Pública
Por Depoimento a Maria Teresa Cruz
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