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11/06/2015 - Coordenador da Fundação Travessia fala em entrevista ao jornal "O Trecheiro"

A criminalização da juventude em situação de rua

“Vai haver uma limpeza geral, porque o menino está em situação de rua. Qualquer coisa será motivo para prendê-lo. Hoje, prender adolescentes na Fundação Casa virou uma política de Estado”, considerou Clovis Dias

No último dia 31 de março, organizações e movimentos sociais que trabalham na defesa e na promoção dos direitos
das crianças e dos adolescentes no Brasil foram surpreendidos com a aprovação para a tramitação do Projeto de
Emenda Constitucional (PEC) 171/93, que criminalizará adolescentes de 16 anos de idade.

Guerra à frágil juventude.
Seria cômico, se não fosse "trágico", os pulos de "vitórias" dados pelos deputados que votaram a favor da PEC, que travará uma guerra contra a frágil e conturbada adolescência.
Mais do que responsável por qualquer ato infracional, a juventude brasileira, principalmente, a pobre, a negra, das favelas e a que está em situação de rua, é refém. Jovens são vitimados pela ausência e fracasso das políticas
públicas juvenis e por uma sociedade desigual.
Reduzir para selecionar e reprimir. 
A grande mídia, aliada na criminalização e seletividade do "bem e do mal", publica notícias que o Brasil é o país da impunidade e incita a leis mais rigorosas. Contraditório a isto, nas estatísticas, o país é considerado entre os
mais repressores.
Para Camila Gibin, mestre em Serviço Social pela PUC-SP, as leis severas já são aplicadas e não são para qualquer pessoa em conflito com a lei. “A polícia em nome do Estado seleciona as pessoas que são vistas como pessoas ´problemas': pobres e jovens. Negros e indígenas. São esses os adolescentes que estão presos na Fundação Casa”, contou.
Uma história um fato "quase" real. Carlinhos tem 16 anos. Ele mora nas ruas. Letícia e Júnior têm 17 anos e também vivem em situação de rua. Ela vende panos de pratos e ele é pedinte. Ambos moram na periferia. Passam o dia nas ruas. Eles são brasileiros. O Brasil aprovou a redução da maioridade penal. Carlinhos, Letícia e Júnior
são adolescentes muito frágeis. Eles não têm, sobremaneira, algum tipo de segurança em políticas públicas que lhes proporcionem educação, saúde, moradia, lazer, cultura, entre outros. Da mesma forma, as suas famílias.
Certa vez, Carlinhos assistiu a um comercial de celulares na TV de uma loja no centro da cidade. Dias mais tarde, ele viu uma moça que falava ao celular. Passou correndo e o tirou da mão dela. Letícia estava junto com o Júnior, que colocou um pacote de biscoito dentro do short no supermercado. Ele estava com fome. Os três foram capturados pela polícia da região. Foram enquadrados, algemados e acusados de criminosos. Jogados dentro do camburão da PM, foram morar no presídio com adultos. Para a sociedade, resolveu-se a questão da "segurança pública".
Encarcerar é violar ao extremo.
"Então, o menino que poderia ter tido seu delito resolvido – você não vê menino em situação de rua que cometa
atos infracionais hediondos – ele vai ser criminalizado e a lei vai respaldar a prisão", considerou Clovis Tadeu Dias,
coordenador da Fundação Projeto Travessia, em São Paulo.
Para Dias, esse adolescente nem terá a chance de passar por um trabalho de recuperação da cidadania. "Ele vai
perder a cidadania antes de ter alcançado", afi rmou.
"Ao invés de garantir os direitos básicos dos adolescentes, a forma de resolver o problema da situação de rua para o Estado é o encarceramento.
Hoje, temos muitos jovens que viviam nas ruas e, foram presos de forma arbitrária, muitas vezes, sem ter cometido
sequer nenhum tipo de ato. Há muitos jovens que consomem drogas e vivem nas ruas e são enquadrados e encarcerados.
Se quisessem, de fato, solucionar a questão, o Estado se dedicaria em pensar e executar políticas de saúde e de redução de danos, mas, ‘resolve’, à sua maneira, que é a mais perversa, encarcerando", enfatizou Camila Gibin.
Legitimar uma prática vigente. A assistente social esclarece que muitas meninas presas em situação de rua, em
sua maioria, foram enquadradas em comercialização de drogas ou pequenos furtos.
“Na verdade, o perfi l de boa parte dessas meninas é de consumidoras de drogas, que já tiveram seus direitos básicos violados, e que mesmo sendo elas as vítimas, de todo esse cenário, são consideradas culpadas e trancadas atrás das grades”, constata.
"Quem paga o preço é quem está mais exposto". A redução da maioridade penal, uma vez promulgada, rasga e deixa inoperante o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). Estar em situação de rua será a pior das situações
com a aplicação da lei da redução da maioridade penal. Para Clovis, os adolescentes serão retirados dessa situação sem a chance de serem defendidos. Terá apenas a defesa baseada no código penal.
“Vai haver uma limpeza geral, porque o menino está em situação de rua. Qualquer coisa será motivo para prendê-lo. Hoje, prender adolescentes na Fundação Casa virou uma política de Estado”, considerou Clovis Dias.
“A redução da maioridade penal tem um interesse econômico por trás. Tem um grupo querendo privatizar as prisões
e eles (os adolescentes) serão os insumos”, acrescentou Dias.
Essa mesma análise é compartilhada por Camila Gibin.
“Com a redução aprovada, os meninos e as meninas que vivem nas ruas poderão sofrer com o processo de  higienização das cidades que o Estado já tem realizado”, concluiu.
Para defensores dos direitos dos adolescentes, a redução da maioridade penal se agrava ainda mais para os que
estão em situação de rua.

Acesse: 
http://www.rederua.org.br/trecheiros/2015/231.pdf
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